in: https://www.publico.pt/2018/04/19/culturaipsilon/noticia/quando-se-le-em-crianca-o-cerebro-cresce-diz-carlos-fiolhais-1810887
“Quando se lê em criança, o cérebro cresce”, diz Carlos Fiolhais
Para assinalar dez anos de vida literária, João Manuel Ribeiro organizou as jornadas 10 de Letra. Primeiro no Porto e agora em Lisboa. Carlos Fiolhais é um dos convidados.
“Devo aos livros aquilo que sou. Só me
conheço a ler”, diz Carlos Fiolhais DANIEL ROCHA
Começou a ler cedo, “ainda antes da escola”, e não tem dúvidas de que,
“quando se lê em criança, o cérebro cresce, desenvolve-se, eu sou a prova
disso”. Quem assim fala é o físico Carlos Fiolhais. “Devo aos livros aquilo que
sou. Só me conheço a ler, foi assim que conheci mundos que não conhecia”, diz o
cientista e um dos oradores das Jornadas Literárias 10 de Letra que decorrem
nesta quinta-feira, em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Autores (a partir
das 17h30). Uma conferência que comemora os dez anos de livros de João Manuel
Ribeiro, autor de mais de 50 títulos e editor da Trinta
por Uma Linha.
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Carlos Fiolhais diz ver os livros como “uma grande invenção que pôs os
cérebros a comunicar” e “que, de uma forma compacta, nos levou à revelação e ao
conhecimento”. Conta ao PÚBLICO que foi para cientista porque na adolescência
descobriu, em bibliotecas, livros de divulgação científica: “O meu cérebro
escolheu um caminho. Um livro é um abridor de portas. Eu descobri que o mundo é
misterioso e quis ajudar a desvendar o mistério da sua formação.”
Sobre os destinatários das obras, crianças, jovens ou adultos, diz: “Os
livros são de quem os apanhar, a idade é algo que nem sempre se percebe. Já
escrevi a pensar que era para ser lido por adultos, mas foram os mais jovens
que os preferiram.” O contrário também já lhe aconteceu.
No caso de João Manuel Ribeiro, que escreveu o primeiro livro para a
infância em 2008 (Rondel de Rimas para Meninos e Meninas, ilustrado por
Anabela Dias), a entrada neste segmento deu-se por acaso. Convidaram-no, num
colégio com que colaborava, para escrever uma história de Natal. “Sem me dar conta
da responsabilidade, escrevi um conto breve que foi do agrado dos alunos; no
Natal seguinte, voltei a escrever outra história com igual aceitação. Nunca
mais parei, Sem querer, contaminei-me com esta literatura e, desde então, vivo
para ela, inteiramente.”
No passado, teve “participações poéticas esporádicas no Jornal de
Notícias e no Diário de Notícias jovem”. Destes dez anos
de letras, o que retém de mais relevante é a publicação do primeiro livro, “por
ser o primeiro e abrir a porta a todos os outros, sobretudo os de poesia (ainda
tão mal-amada)”; a publicação de Meu Avô, Rei de Coisa Pouca, “por
ser autobiográfico e pelo imenso prazer que me deu escrevê-lo”; os encontros
com os pequenos leitores, “nessa árdua mas deliciosa tarefa de ‘fazer’
leitores”, e “as recentes traduções no estrangeiro, pelo reconhecimento que
proporcionam”.Foto
“Se não tivesse
conhecido os teus livros, seria mais pobre”
E quem é que pode ficar indiferente a estas frases que algumas crianças lhe
foram dirigindo durante a última década? “Gostava de ter sido teu companheiro
de infância”; “tu só escreves poesia, mesmo quando escreves em prosa”; “esse
livro [Meu Avô, Rei de Coisa Pouca] produziu em mim um sismo interior” e
“se não tivesse conhecido os teus livros, seria mais pobre”.
O autor (doutorado em Ciências da Educação, pela Faculdade de Psicologia e
de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, e Mestre em Teologia, pela
Universidade Católica do Porto) criou recentemente a revista de literatura
infantil e juvenil A Casa do João (com
o Centro UNESCO de Amarante) e tem um propósito que extravasa a literatura:
“Espero, luto e trabalho (quase sempre sem o conseguir) por um mundo justo,
fraterno, plural, que seja, de facto, uma casa grande, de todos e para todos.”
Com estas jornadas, deseja “ajudar a descobrir que a literatura faz bem, é
uma vitamina sem a qual nos tornamos ictéricos”. Espera também “chamar a
atenção para a importância da literatura infantil e juvenil na vida das
crianças (e não só) e contribuir para mostrar, apesar do seu destinatário e da
sua especificidade, que é literatura como a outra; não é uma literatura menor”.
Diz Fiolhais: “Escrever bem é escrever para todos.” Depois, pergunta: “Para
que idade é o Principezinho, de Saint-Exupéry?” E conclui: “Um bom
livro fala-nos de coisas possíveis e impossíveis. Faz-nos pensar e sonhar.
No Principezinho, há desde ciência a auto-ajuda.”
Quanto mais cedo,
melhor
O cientista afirma ser viciado em leitura e não conseguir viver sem livros.
“Quanto mais cedo se começar, melhor. Não me fizeram mal.” Recentemente,
participou num projecto de livro e CD que fala de ciência a crianças dos três
aos dez anos através de poesia e canções de José Fanha e Daniel Completo: Entre
Estrelas e Estrelinhas — Este Mundo Anda às Voltinhas. “Procurei que os
versos contivessem a lição de interrogar, observar, demonstrar. Uma chamada à
ciência.” E diz gostar de cruzamentos, não de becos. “Cruzamentos de temas, de
cérebros, de autores.”
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O físico ainda não sabia o que iria dizer na conferência desta
quinta-feira, mas tudo pode acontecer quando Carlos Fiolhais se entusiasma. A
conversa com o PÚBLICO terminou na seguinte reflexão: “Por que seria que
andavam de mão em mão as pombinhas da Catrina?”
As jornadas abrem com o psicólogo Eduardo Sá e a comunicação “As crianças e
a leitura”. Segue-se um painel que reúne ainda os autores de literatura para a
infância e juventude Luísa Ducla Soares e José Jorge Letria, sob o mote “A
literatura, o indispensável supérfluo” e moderado por Helena Gatinho.
A encerrar, o presidente da Sociedade Portuguesa de Autores apresentará o
livro Os Direitos das Crianças — Antologia Poética, que reúne
poemas de cerca de 20 autores portugueses, espanhóis e brasileiros, como João
Pedro Mésseder, José António Franco, Emiliana Carvalho (Brasil) António
Garcia Teijeiro e Alfredo Ferreiro (Espanha).
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