terça-feira, 26 de março de 2019

in: https://www.dn.pt/cultura/interior/o-conto-de-mia-couto-que-antecipava-a-tragedia-do-ciclone-idai-10721541.html


·         INÍCIO 

·         CULTURA
O conto de Mia Couto que antecipava a tragédia do ciclone Idai
De como o velho Jossias foi salvo das águas é um conto do primeiro livro do escritor moçambicano Mia Couto, Vozes Anoitecidas. Um texto onde se fala da "chuva está a chover até os poços começaram cuspir".
Uma criança entre os destroços alagados em Busi, perto da Beira
© REUTERS/Mike Hutchings
25 Março 2019 — 13:18
De como o velho Jossias foi salvo das águas
I. Lembrança do tempo de antigamente
A terra estava a conversar com agosto e o velho Jossias, parado, escutava. Os meses estão todos no ventre uns dos outros, pensava ele. E adivinhava a chegada dos dias, suas roupas e cores. Sabia da chegada da chuva, pressentia as suas gotas timbilando a areia.
- A água vai andar ler o chão. Vai lamber as feridas da terra, parece um cão vadio - dizia o velho.
E voltava ao silêncio, os olhos no alto a medir as nuvens, por precaução.
- Parece é só metade da chuva. Há de caber bem na terra.
Enquanto profetizava, amoleciam-lhe os olhos de promessas, uma procissão de verde a tomar-lhe conta dos sonhos.
- O milho vai-me tratar por senhor.
E era já gente grande, sorrindo do gozo antecipado da fartura. Assaltou-o a recordação da grande fome de há vinte anos. Foi-se rendendo ao sono, agora que o pensamento se deitara na sombra daquela lembrança.
Recordava-se bem: as cerimónias para pedir chuva sucediam-se em casa do régulo. As rezas eram palavras sem mais além: nem uma gota se convencera a descer. Durante mais três anos os velhos insistiram, conversando com os mortos que mandam na vontade da chuva.
Naquela manhã, logo cedo mataram o boi. As mulheres prepararam a aguardente do milho, o ngovo.
No cemitério os velhos pediam aos defuntos a licença da chuva. Depois das rezas, dariam de beber aos mortos deitando aguardente sobre as campas.
- Sou eu que vou levar as panelas do ngovo - ofereceu-se Jossias.
Deram-lhe a vaidade daquela entrega. Com respeito, ele partiu pela areia quente dos trilhos. No caminho, parou com pena do cansaço dos braços. Pesavam as panelas. O calor e a sede sopravam-lhe maus conselhos, barulhando convites.
Bebeu, fechando os olhos à voz da aguardente. Repetiu mais três vezes. Certeiro, o álcool começou a cacimbar a razão. As panelas sorriam-lhe, mornas e gordas. Parecem a Armanda quando dança a provocação que ela sabe, murmurava.
- Vocês? Vocês estão-me sacudir o sangue!
Falava devagarmente, enrolando as palavras sem que a cabeça entrasse naquele pensamento. A voz de Armanda avisava-o do castigo, endireitando-lhe o juízo que faltava. E ele, outra vez para as panelas:
- Meninas, vocês estão desgraçar minha vida. Provocar-me da maneira como assim? É melhor marrar mais outra vez as capulanas. Vou acabar o serviço que fui mandado.
Quis-se levantar mas era um peso. Bebeu mas era só metade: o outro tanto entornava-se pelo peito. Quando reparou, a aguardente tinha quase desaparecido. Restava um quase nada lá no fundo dos potes. Entrou em pânico: como explicar aos velhos? Como contar à aldeia que o ngovo se desviara do seu destino? Tinha que encontrar maneira de emendar a boca, fechar a desgraça que ela destapara.
Passou por um poço abandonado e meteu-se por dentro do escuro. Lá em baixo, havia uma réstia de água estagnada, à espera da sua esperteza. Acrescentada daquela água malcheirosa a bebida do milho voltaria a encher os potes de barro. Os mortos não notariam a diferença, o paladar deles está já esquecido dos saborosos pecados.
Moda os mineiros, pensou enquanto descia pelas paredes do velho poço. Estava suspenso pelas mãos, os pés a procurarem o fundo, quando, de repente, as paredes desabaram. Caíram pareciam o céu inteiro a desfazer-se em areia e pó, o peso do mundo a pisar-lhe no peito. Mãe, vou ficar aqui em baixo de embaixo, ninguém que me vai encontrar, chorava Jossias.
E ali ficou imóvel, soterrado, dormindo no subúrbio da morte, expulso da luz e do ar. Horas de tempo, pensou no nunca mais. A lembrança de Armanda veio socorrê-lo. Agarrou-se à frescura da recordação, aquele rosto era a sua última crença.
E os outros quando viessem procurá-lo? Haviam de o adivinhar subterrâneo, toupeirando a réstia de vida que lhe faltava? Aguentariam descascar a terra até lhe encontrar?
Mas mesmo a esperança dele já não tinha vontade. Ser salvo, para quê? Beber areia, afundar-se num poço, despedir-se do mundo, tudo isso, não era nada comparado com o que vinha a seguir. Todos lhe negariam desculpas. Mesmo Armanda.
Quando saísse ele havia de escolher o longe, viver na distância, envelhecer sem nome nem história.
II O azul todo das cheias

É o quê? Deus já desistiu dos homens? Não se importa da desgraça da terra?
A chuva está a chover até os poços começaram cuspir. Mesmo os sapos e as cobras já não têm casa. E o velho pergunta:
- Por que não descansas sofrimento? Depois de depois voltas mais outra vez...
Mas o destino da morte é ser sempre muita. E chove mais, vão-se molhando as tardes de Novembro, o pilão e a esteira a pingarem juntos no pátio.
O velho está sentado na sombra dos gemidos, só os seus suspiros sonham. O resto é resignação que conspira. Pode-se assim tanto morrer?
Mas ele aprendera a espalhar na sua alma o remédio do há de vir. E consolava-se:
- A farinha há de me visitar, eu sei.
Lentamente, as chuvas iam pousando em todo o lado. Os rios agarravam-se com força ao céu e já nenhum xicuembo sabia desamarrar aquela água. Talvez que o sol, do quente que lhe sobrava, levasse com ele todo aquele azul. Mas não, o sol escorregava pelo zinco, sem beber quase nada. Passava com a cerimónia de um estranho.
- A boca que o sol tem já não chega - lamentava o velho.
III. O salvamento

A água crescia, as coisas e os bichos era só nadarem. Quando tudo em volta era só fumo da água apareceu um barco a motor que trazia dois pretos e um branco. Foi este que falou. As coisas que disse foi no respeito que nunca ouvira. Que palavras eram essas, afinal? Sempre foram asneiras a subirem-lhe no nome, a língua dos portugueses a disparar-lhe na família. Agora, essa língua não tinha maneira de patrão?
- Deve ser maneira de me levar longe da machamba, afastar-me das minhas coisas.
Ou parece não. Os homens queriam que ele subisse para o barco, vinham salvá-lo.
O velho coçou a cabeça, arrastando a mão de trás para a frente.
- Ir onde, se depois da água é só água? Não estão ver que Deus nos quer peixando?
Os pretos falaram atrás, mesma coisa, as pessoas que não viessem no barco haviam de morrer, era com certeza. O velho num sorriso incrédulo:
- Isto é salvar-me? Salvar de quê?
E o velho lembrava-se do desastre nas minas do John, o fogo a espalhar desgraça nas galerias, a devorar vidas e corpos, sim, aquilo era morrer. Quando veio a brigada de salvamento ele sentou-se como uma criança perdida, a chorar. Mas os homens da brigada não pararam para o socorrer, prosseguiram à procura de outras vidas mais valiosas. Um outro mineiro puxou-o pelos braços e gritou-lhe:
- Queres ser lenha, homem?
Lenha? A madeira é lenha antes mesmo de arder. Ser lenha, compreendeu, é morrer assim só, sem ninguém para nos chorar. Só o seu número seria riscado na lista dos contratados. Mas o fumo entrou-lhe pela tristeza e os pulmões ordenaram que procurasse outro lugar. Um homem salva-se se é vontade da sua vida. Os outros são só o alimento dessa vontade.
E assim ficou de estar vivo até hoje.
Salvaram Jossias por duas vezes. Salvaram-no da morte, não o salvaram da vida. Para os outros, para os que o tinham ajudado, foram prémios, fotos no jornal. Ninguém falou que ele, Jossias Damião Jossene, continuava igual como antes, encostado à miséria.
- Salvar um alguém deve ser serviço completo - concluíra. - Não é levantar a pessoa e depois abandonar sem querer saber o depois. Não chega ficar vivo. Palavra da minha honra. Viver é mais.
E assim se decidira Jossias sobre o assunto da morte, não-morte.
Agora, neste caso, mudar para onde? A seguir é só água, o lugar onde saiu esse barco também é água. Mesmo isso já não é barco, é uma ilha com motor. Se é para morrer então prefiro esta morte que veio nadar até à minha casa. Esta terra aqui em baixo já tem as minhas mãos, a minha vida está enterrada neste chão, só falta agora o meu corpo, só.
A equipa de salvamento impacientava-se com a conversa do velho. O gajo o que é que quer?, perguntava o branco. Os outros não traduziam, riam-se apenas. O velho é maluco, vamos carregá-lo à força. Não temos tempo, há outras pessoas para recolher, o velho já perdeu o juízo.
- Deixem-me ficar, não posso morrer longe da minha vida.
Puxaram-no pelas axilas, sentaram-no no banco traseiro do barco e cobriram-no com uma manta.
- Não tens família?
Era o branco. Família? Talvez vocês, agora, são a minha família, aguentaram esta maçada de salvar-me. Apeteceu-lhe responder mas estava a tremer de mais.
- Perguntem-lhe na vossa língua, se a família não está por aqui, nas redondezas.
Perguntaram-lhe. Demorou a responder, queria usar bom português. Agarrou-se com força à velha manta e pôs os olhos naquele mar em volta como se inquirisse pelas coisas que ele cobria.
- Dentro de água não está frio. Porquê não me deixam lá?
Os outros riram-se. Colocaram-lhe mais uma manta sobre os ombros e passaram-lhe uma chávena de chá bem quente. Pelos dedos magros, segurando trémulos a chávena de alumínio, subiu-lhe um estranho calor que não sabia traduzir. E veio-lhe a vontade de ficar para sempre quase naquele barco. Desejou que a viagem não tivesse fim como se o salvassem do tempo e não das águas, como se o tivessem liberto não da norte mas da sua terrível e solitária espera.
Com olhos de menino, fixou o escuro engolindo a terra, a tarde anoitecendo tudo.
A mentira da noite é matar o cansaço dos homens, pensou enquanto fechava os olhos.
O escritor Mia Couto
© Jorge amaral/Global Imagens


in: https://www.publico.pt/2019/03/25/sociedade/noticia/alunos-profissional-vao-via-propria-superior-1866763


Alunos do profissional vão ter via própria para o ensino superior
Exames nacionais deixam de ser decisivos no acesso. Concursos locais vão ser testados como experiência-piloto no próximo ano lectivo.
25 de Março de 2019, 19:55


Foto
NELSON GARRIDO
Os alunos que concluam o ensino secundário através de um curso profissional vão passar a ter uma via própria de acesso ao superior. No próximo ano lectivo será testada uma modalidade de concursos locais através da qual cada candidato concorre directamente à instituição na qual pretende estudar. Esta solução permite acabar com o papel decisivo dos exames nacionais, que afastavam muitos destes estudantes de uma licenciatura.
A medida foi discutida esta segunda-feira no Conselho Coordenador do Ensino Superior e deverá ter uma versão definitiva quanto à forma de implementação até ao final de Abril. O que o Governo propõe, com base nas sugestões de um grupo de trabalho nomeado pelo ministro, é que seja cada uma das universidades e politécnicos a decidir os critérios para acolher os alunos provenientes do ensino profissional numa licenciatura.
Concursos locais
Para isso será usada a modalidade do concurso local, que já é corrente no ensino superior por exemplo no acesso às licenciaturas das áreas artísticas – nesse caso as instituições podem definir pré-requisitos ou provas de aptidão para aceitar um estudante. No caso dos alunos do profissional, esta medida vai ser testada “como um projecto-piloto”, em todas as instituições, “no próximo ano lectivo”, avança ao PÚBLICO o ministro da Ciência e Ensino Superior, Manuel Heitor.
Até agora, estes estudantes tinham que passar, tal como os colegas dos cursos de carácter geral, por exames nacionais que versavam sobre matérias que, em muitas situações, não tinham abordado nas aulas. Este era um entrave no acesso para o qual pais e professores há muito vinham pedindo uma solução. Desde o início da legislatura que esta era uma matéria relativamente à qual o Governo prometia mexidas, mas que nunca se concretizaram até agora.
A solução que está a ser pensada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) “comporta vários riscos”, adverte o presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Superiores Politécnicos (CCISP), Pedro Dominguinhos, pelo que a sua implementação “precisa de ser falada com as instituições”. “Parece-me arriscado fazer isto em três meses”, sublinha o mesmo responsável.
Entre as preocupações do CCISP estão o possível esvaziamento dos cursos técnicos superiores profissionais para onde tem ido a maior parte dos alunos do ensino profissional que prossegue estudos e a necessidade de se assegurar um tratamento semelhante para universidades e politécnicos.
Além disso, Dominguinhos receia que os alunos do profissional tenham dificuldades na transição para uma licenciatura “que é muitas vezes pensada na óptica dos conhecimentos dos estudantes que vêm dos cursos científico-humanísticos. Por isso, o CCISP defende que, juntamente com o novo modelo de acesso que deverá ser testado no próximo ano, também deveria ser introduzido, na mesma lógica de experiência-piloto, um “ano zero” para receber e preparar os alunos do ensino profissional para uma licenciatura.


Conto de MIA COUTO








quinta-feira, 21 de março de 2019


Dia mundial da Poesia

Um MIMO ...
Dois mimos ...
Um poema que vale por dois!!!!

Maria Fael

Março
É neste mês maravilhoso que vim ao mundo, tempo de flores,tempo de renascidos amores.
Celebra-se a mulher no seu esplendor, ser nobre com vigor, aquela que Espalha sementes de Amor!
Mês da poesia e do poema, dedilhado pelo mão do tocador,pelo poeta declamado. Também o pai é celebrado na entrada da primavera neste mês repleto de harmonia, alegria e sabedoria.
Ainda frio, sai do ninho o passarinho, experimenta as asas devagarinho e vai em busca de carinho.
Mês de tamanhos encantos, de cores a desabrochar, mês para cada um iniciar o seu Amar!











Parlamento dos jovens

Mais uma vez, a Escola Secundária Dra. Laura Ayres, está de parabéns .... os deputados da sessão escolar foram eleitos para a sessão nacional.










terça-feira, 19 de março de 2019

in:  http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/50

Beaumarchais , Pierre

Somos sempre filhos de alguém.
in:  http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/50

Racine , Jean

Um pai quando castiga, minha senhora, é sempre pai.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/50

Shaw , Bernard

Se ao menos os pais soubessem como chateiam os filhos!
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/40

Couto , Mia

A mãe é eterna, o pai imortal.
in  http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/40

Couto , Mia

Só temos como nossos os filhos que são infelizes. Os outros, os que gozam de felicidade, acabam se afastando, em suave dança com a Vida.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/30

Cury , Augusto

Muitos pais querem dar o mundo aos seus filhos, mas não são capazes de se darem a si mesmos. Muitos querem dar-lhes excelentes diplomas, mas não os preparam para a escola da vida. Os pais precisam de ver o mundo com os olhos deles e perceber o que está por trás da cortina dos seus comportamentos. Quem só vê a cortina não compreende as camadas mais íntimas da vida.
in:  http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/30

Neto , Joel

Um homem que não sabe nada sobre o seu pai nunca saberá nada sobre si próprio, nem esse conhecimento alguma vez lhe fará falta.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/10

Cocteau , Jean

A nascente desaprova quase sempre o itinerário do rio.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais/10

Onde poderemos nós alguma vez encontrar alguém que tenha recebido seja de quem for mais benefícios do que aqueles que os filhos receberam dos pais.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

Nietzsche , Friedrich

O que o pai calou aparece na boca do filho, e muitas vezes descobri que o filho era o segredo revelado do pai.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

Shakespeare , William

Sábio é o pai que conhece o seu próprio filho.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

Para compreender os pais é preciso ter filhos.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

Cardoso , Miguel Esteves

O mal do amor dos filhos é que, quando corre mal, passa-nos como uma lâmina pelo coração e fá-lo em bifinhos. Quando corre bem faz-nos o coração em bifinhos também. A diferença está apenas no tempero.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

 Vieira , António

Não há amor que mais facilmente perdoe, e mais benignamente interprete e dissimule defeitos, que o amor de pai.
in: http://www.citador.pt/frases/citacoes/t/pais

Russell , Bertrand

Os nossos pais amam-nos porque somos seus filhos, é um facto inalterável. Nos momentos de sucesso, isso pode parecer irrelevante, mas nas ocasiões de fracasso, oferecem um consolo e uma segurança que não se encontram em qualquer outro lugar.
in: https://www.google.com/search?biw=1920&bih=937&tbm=isch&sa=1&ei=f_2QXKeSJNXbgweI5pLACg&q=dia+do+pai&oq=dia+do+pai&gs_l=img.3..0i67j0l9.155176.157344..157620...0.0..0.84.701.10....3..1....1..gws-wiz-img.......35i39.GisIjg-MQwM#imgrc=nWkeCQBksBoyHM:

 Imagem relacionada
"TODOS A LER"

B ESLA

No dia 20 de Março todos os alunos da ESLA leram/ouviram um poema.


O meu país sabe às amoras bravasno verão.    
Ninguém ignora que não é grande,
nem inteligente, nem elegante o meu país,
mas tem esta voz doce
de quem acorda cedo para cantar nas silvas.
Raramente falei do meu país, talvez
nem goste dele, mas quando um amigo
me traz amoras bravas
os seus muros parecem-me brancos,
reparo que também no meu país o céu é azul.

SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN


 Lágrima de preta


Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.

               António Gedeão


"Ter um amigo é um tesouro sem preço, um gostar sem distância,
de alguém presente em nosso caminho, nas horas de dúvida, de alegria,
demais para ser perdido, importante para ser esquecido..."





As pessoas crescidas têm sempre necessidade de explicações... Nunca compreendem nada sozinhas e é fatigante para as crianças estarem sempre a dar explicações.



Os homens compram tudo pronto nas lojas... Mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos.




Os putos

Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.

                     José Carlos Ary dos Santos

Poema à Mãe
No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, in "Os Amantes Sem Dinheiro"


E de súbito desaba o silêncio.
É um silêncio sem ti,
Sem álamos,
Sem luas.

Só nas minhas mãos
ouço a música das tuas.
  
Eugénio de Andrade


Quem me dera que eu fosse o pó da estrada (Alberto Caeiro);
Não tenho pressa (Alberto Caeiro);
Liberdade (Fernando Pessoa);
À luz da lua (António Nobre);
Espero (Sophia de Mello Breyner);
Porque (Sophia de Mello Breyner);
Ode à Paz (Natália Correia);
Não:devagar (Álvaro de Campos);
Às vezes tenho ideias felizes (Álvaro de Campos);
A boca (Eugénio de Andrade);
É urgente o amor (Eugénio de Andrade);
A demora (Mia Couto);
Igual-Desigual (Carlos Drummond de Andrade);
Poema do Futuro (António Gedeão);
Ser poeta (Florbela Espanca)
Pequeno poema (Sebastião da Gama)
Amor é fogo que arde(Luís de Camões)
Os putos (José Carlos Ary dos Santos)
Ter um amigo é um tesouro (Antoine Exupéry)
Pedra filosofal (António Gedeão)
Poema à mãe (Eugénio de Andrade)
Sem ti (Eugénio de Andrade)
As amoras (Eugénio de Andrade)
Quási (Eugénio de Andrade)
Lágrima preta (António Gedeão)
Equipa da Biblioteca

Estrada
Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...
Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...
Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo. . .
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...
Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena

Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Poema XVIII"
Heterónimo de Fernando Pessoa

  

Não Tenho Pressa
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.
Não; não sei ter pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só onde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E vivemos vadios da nossa realidade.
E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos"
Heterónimo de Fernando Pessoa

  
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa, in "Cancioneiro"

  

À Luz da Lua!
Iamos sós pela floresta amiga,
Onde em perfumes o luar se evola,
Olhando os céus, modesta rapariga!
Como as crianças ao sair da escola.

Em teus olhos dormentes de fadiga,
Meio cerrados como o olhar da rola,
Eu ia lendo essa ballada antiga
D'uns noivos mortos ao cingir da estola...

A Lua-a-Branca, que é tua avozinha,
Cobria com os seus os teus cabellos
E dava-te um aspeto de velhinha!

Que linda eras, o luar que o diga!
E eu compondo estes versos, tu a lel-os,
E ambos scismando na floresta amiga...

António Nobre, in 'Só'
  

Espero

Espero sempre por ti o dia inteiro,
Quando na praia sobe, de cinza e oiro,
O nevoeiro
E há em todas as coisas o agoiro
De uma fantástica vinda.

Sophia de Mello b. Andresen obra poética I



Porque
Porque os outros se mascaram mas tu não
Porque os outros usam a virtude
Para comprar o que não tem perdão.
Porque os outros têm medo mas tu não.

Porque os outros são os túmulos caiados
Onde germina calada a podridão.
Porque os outros se calam mas tu não.

Porque os outros se compram e se vendem
E os seus gestos dão sempre dividendo.
Porque os outros são hábeis mas tu não.

Porque os outros vão à sombra dos abrigos
E tu vais de mãos dadas com os perigos.
Porque os outros calculam mas tu não.
               Sophia de Mello Breyner Andresen



Ode à Paz
Pela verdade, pelo riso, pela luz, pela beleza,
Pelas aves que voam no olhar de uma criança,
Pela limpeza do vento, pelos actos de pureza,
Pela alegria, pelo vinho, pela música, pela dança,
Pela branda melodia do rumor dos regatos,

Pelo fulgor do estio, pelo azul do claro dia,
Pelas flores que esmaltam os campos, pelo sossego dos pastos,
Pela exactidão das rosas, pela Sabedoria,
Pelas pérolas que gotejam dos olhos dos amantes,
Pelos prodígios que são verdadeiros nos sonhos,
Pelo amor, pela liberdade, pelas coisas radiantes,
Pelos aromas maduros de suaves outonos,
Pela futura manhã dos grandes transparentes,
Pelas entranhas maternas e fecundas da terra,
Pelas lágrimas das mães a quem nuvens sangrentas
Arrebatam os filhos para a torpeza da guerra,
Eu te conjuro ó paz, eu te invoco ó benigna,
Ó Santa, ó talismã contra a indústria feroz.
Com tuas mãos que abatem as bandeiras da ira,
Com o teu esconjuro da bomba e do algoz,
Abre as portas da História,
                               deixa passar a Vida!
Natália Correia, in "Inéditos (1985/1990)"


Não: Devagar
Não: devagar.
Devagar, porque não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e os meus passos
Uma divergência instintiva.
Há entre quem sou e estou
Uma diferença de verbo
Que corresponde à realidade.

Devagar...
Sim, devagar...
Quero pensar no que quer dizer
Este devagar...
Talvez o mundo exterior tenha pressa demais.
Talvez a alma vulgar queira chegar mais cedo.
Talvez a impressão dos momentos seja muito próxima...

Talvez isso tudo...
Mas o que me preocupa é esta palavra devagar...
O que é que tem que ser devagar?
Se calhar é o universo...
A verdade manda Deus que se diga.
Mas ouviu alguém isso a Deus?

Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa
  
Às vezes tenho ideias felizes,
Às vezes tenho ideias, felizes,
Ideias subitamente felizes, em ideias
E nas palavras em que naturalmente se despejam...
Depois de escrever, leio...
Porque escrevi isto?
Onde fui buscar isto?
De onde me veio isto? Isto é melhor do que eu...
Seremos nós neste mundo apenas canetas com tinta
Com que alguém escreve a valer o que nós aqui traçamos?...
18-12-1934
Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa.


  
A boca
A boca,
onde o fogo
de um verão
muito antigo cintila,
a boca espera
(que pode uma boca esperar senão outra boca?)
espera o ardor do vento
para ser ave e cantar.

Levar-te à boca,
beber a água mais funda do teu ser
se a luz é tanta,
como se pode morrer?

  Eugénio de Andrade

  
Urgentemente
É urgente o amor
É urgente um barco no mar

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos, muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer.

Eugénio de Andrade, in "Até Amanhã"

A Demora
O amor nos condena:
demoras
mesmo quando chegas antes.
Porque não é no tempo que eu te espero.

Espero-te antes de haver vida
e és tu quem faz nascer os dias.

Quando chegas
já não sou senão saudade
e as flores
tombam-me dos braços
para dar cor ao chão em que te ergues.

Perdido o lugar
em que te aguardo,
só me resta água no lábio
para aplacar a tua sede.

Envelhecida a palavra,
tomo a lua por minha boca
e a noite, já sem voz
se vai despindo em ti.

O teu vestido tomba
e é uma nuvem.
O teu corpo se deita no meu,
um rio se vai aguando até ser mar.


Mia Couto, in " idades cidades divindades"

  

Igual-Desigual
Eu desconfiava:
todas as histórias em quadrinho são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são
iguais.
Todos os partidos políticos
são iguais.
Todas as mulheres que andam na moda
são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais
e todos, todos
os poemas em verso livre são enfadonhamente iguais.

Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores, iguais iguais iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as acções, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
                                                                                 [coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar
.

Carlos Drummond de Andrade, in 'A Paixão Medida'


  

Poema do Futuro
Conscientemente escrevo e, consciente,
medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,
deslizam como a água, até que um dia
um possível leitor pega num livro
e lê,
lê displicentemente,
por mero acaso, sem saber porquê.
Lê, e sorri.
Sorri da construção do verso que destoa
no seu diferente ouvido;
sorri dos termos que o poeta usou
onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;
e sorri, quase ri, do íntimo sentido,
do latejar antigo
daquele corpo imóvel, exhumado
da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos
tudo se transformou.
O amor tem outras falas,
a dor outras arestas,
a esperança outros disfarces,
a raiva outros esgares.
Estendido sobre a página, exposto e descoberto,
exemplar curioso de um mundo ultrapassado,
é tudo quanto fica,
é tudo quanto resta
de um ser que entre outros seres
vagueou sobre a Terra.


António Gedeão, in 'Poemas Póstumos'




Ser Poeta 
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e cetim…
É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…
É seres alma e sangue e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!

(Florbela Espanca, «Charneca em Flor», in «Poesia Completa»)


Pequeno Poema
Quando eu nasci,
ficou tudo como estava.

Nem homens cortaram veias,
nem o Sol escureceu,
nem houve estrelas a mais...
Somente,
esquecida das dores,
a minha Mãe sorriu e agradeceu.

Quando eu nasci,
não houve nada de novo
senão eu.

As nuvens não se espantaram,
não enlouqueceu ninguém...

Pra que o dia fosse enorme,
bastava
toda a ternura que olhava
nos olhos de minha Mãe...

Sebastião da Gama, in 'Antologia Poética'