quarta-feira, 27 de novembro de 2019

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José Eduardo Agualusa e Mia Couto: "Não temos de representar que somos escritores e nos levamos muito a sério"


17.11.2019 às 19h20
Agualusa, 58 anos, e Mia Couto, 64 anos, são dois dos mais famosos escritores de língua portuguesa. O primeiro foi finalista do Prémio Man Booker, o segundo ganhou o Prémio Camões. Desde abril, escrevem mensalmente na VISÃO
Luis Barra
Muito os une além da literatura: uma genuína amizade de longa data, a história comum dos seus países – Angola e Moçambique –, uma certa forma poética de olhar o mundo, o sentido de humor. Juntar os cronistas da VISÃO para uma conversa a dois prometia, pois, ser da ordem do realismo mágico. Prometia, e cumpriu
Mafalda Anjos
Diretora
Há entrevistas tiradas a ferros, e depois há entrevistas destas: é só atar e pôr ao fumeiro, que é como quem diz, ligar o gravador, dar uma deixa inicial e deixar a conversa rolar. Mia Couto e José Eduardo Agualusa são amigos há três décadas, conhecem-se como poucos, completam as frases um do outro, e até escrevem textos a quatro mãos – um exercício raro em literatura. O livro O Terrorista Elegante e Outras Histórias, um conjunto de três novelas assinadas por ambos, que chegou no mês passado às bancas, nasceu assim, a dois. Foi apenas um pretexto para um despique de ideias sobre a amizade, a natureza humana, os extremismos nos dias de hoje e as latitudes por onde se movem: Angola, Moçambique, Brasil e, claro, Portugal. Perdoará o leitor a profusão de parêntesis assinalando os risos – com estes dois senhores, eles são inevitáveis.
Lembram-se de como se conheceram? São amigos há quantos anos?
José Eduardo Agualusa (JEA):
Perfeitamente, foi há 30 anos.
Mia Couto (MC): Ele é que se lembra, para mim foi um trauma! [Risos.]
JEA: Eu fazia crítica literária para o Expresso e escrevi uma recensão de Vozes Anoitecidas, o primeiro livro dele, e lembro-me de que fiquei muito entusiasmado, teve um impacto muito forte em mim, e ele gostou da crítica.
MC: Achei pouco!
JEA: Uma amiga em comum, a Ana Mafalda Leite, professora de Literaturas Africanas, fez um jantar em casa e convidou-nos: conhecemo-nos assim.
MC: O Zé estava a acabar de publicar ou ia publicar A Conjura, o seu primeiro livro, publicámos na mesma altura.
E o que vos une há três décadas? É uma relação literária ou uma relação de amizade que vai para além disso?
MC: Relação literária é a última coisa, eu não sou dessa tribo mesmo… Há uma história que é muito paralela…
JEA: [Risos.] Creio que nos reconhecemos, no fundo, há uma história que começa na literatura e vai muito além disso.
MC: … Uma coisa que acontece é que ele não me deixa falar!
JEA: Eu descubro aquele livro e encontro um universo com que me identifico completamente e que fazia falta, não existia...
MC: ... Mas a verdade é que conhecemos muitos escritores com cujo texto temos uma relação de afeto, mas depois não acontece o resto. E quando digo o resto, o melhor é dizer que, bom, não é o que se possa pensar [gargalhada]. É uma coisa especial. Acho que é uma amizade quase de irmãos – temos origens comuns, temos o mesmo tipo de história, países que atravessaram constantes ruturas e reencontros, o pai dele foi ferroviário e o meu também, não somos da primeira cidade mas os dois da segunda em cada um dos nossos países, há um percurso que ajudou a criar a nossa própria história, que é muito comum. E depois há uma coisa que é a medida de qualquer amizade, é como ela autoriza a infância: estamos juntos e vamos rindo o tempo todo – há pouco nem conseguíamos tirar uma fotografia juntos. É uma espécie de licença que nos damos um ao outro: não temos de representar que somos escritores e nos levamos muito a sério.
Em Moçambique, os homens amigos falam de mãos dadas. A vossa relação também é assim, afetuosa?
JEA: Em Angola, era mais nos meios rurais, nos urbanos não.
MC: Não, não falamos de mãos dadas, quem sabe... lá chegaremos! Mas é verdade: na Beira, quando eu era jovem, os homens caminhavam de dedo mindinho ligado, era muito bonito. Temos de replicar isso, com o mindinho ainda vá! [Risos.]
O que vos acrescenta a condição de serem ambos escritores africanos?
JEA: O que os nossos países têm é muitas histórias para serem contadas – Angola e Moçambique são países que sofreram um passado recente de grande agitação política, e são países com grande riqueza étnica e que atraem pessoas de várias partes do mundo – isso para um escritor é precioso. Temos acesso a um manancial infinito.
MC: E essas histórias traduzem uma relação com o mundo em que essa fronteira entre o que é realidade e ficcional não está muito presente; isso ajuda-nos muito. Isto é arriscado de dizer, porque sempre vem a conversa de África como uma coisa exótica e à parte, mas quando nos falam do realismo mágico nos nossos textos, se eu disser em Moçambique que a árvore é uma casa voadora ou outra coisa com dimensão poética, nada disto é extraordinário.
É o dia a dia.
JEA: Sim. E os jornais e o jornalismo integram estas histórias. Somos capazes de encontrar notícias nos jornais com elementos do fantástico, do maravilhoso. Que são lidas como coisa corrente. Escrever em Angola e Moçambique sem esses elementos é como tentar escrever sobre Amesterdão sem as bicicletas, ou sobre Buenos Aires sem o tango. É possível fazer isso, mas estaríamos a falsificar a realidade. Porque a nossa realidade integra esses elementos.
MC: A nossa realidade é pouco real.
E o que reconhecem da vossa ascendência portuguesa?
MC: Uma coisa que eu identifico como algo que os meus pais trouxeram de Portugal, uma idiossincrasia portuguesa, é uma certa propensão para a melancolia. Eu tenho tendência para ser melancólico, mas a diferença é que olho para ela e dou-me bem, não sofro.
A melancolia não lhe é penosa?
MC: Não, é como se só entendesse bem o mundo se tivesse acesso a esse olhar. Ela abre-me coisas que o outro lado mais festivo e alegre não abre.
JEA: Isso também é muito moçambicano, porque tem um lado oriental. No meu caso, e acho que também no do Mia, é a própria literatura que nos influencia. Os meus pais tinham uma biblioteca razoável, os teus pais também, e isso foi importante. O Eça de Queirós foi e ainda é, hoje, o autor mais importante para mim.
MC: Não é uma tentativa de fugir à pergunta, mas é difícil definir o que são características típicas dos portugueses. Há mil opiniões diferentes. Há uma coisa que provavelmente não é o Portugal de hoje, mas uma coisa que eu identificava como esse Portugal que era trazido pelos meus pais e vizinhos era esta coisa de excomungar a desgraça nomeando-a. Essa coisa da doença… “Ah, eu estou doente!”, e responde o outro: “Ah, mas eu estou muito mais doente.” Ninguém quer ficar atrás e nunca se pode dizer que se está bem. Os africanos são diferentes: celebram o lado mais positivo das coisas, até porque celebrar o negativo chama maus espíritos.
Uma vez, o Mia contou-me uma história de um tradutor brasileiro que, em pleno palco, numa conferência, lhe disse “não entendi nada, inventa qualquer merda”, e que isso lhe ficou como uma espécie de lema para a vida. Esse espírito de improviso e “desenrascanço” muito português também o tem?
MC: Sim, “desenrascar” é, aliás, uma palavra que não existe em mais lado nenhum, mas os nossos dois países também têm muito isso: as pessoas estão habituadas a resolver problemas de forma pontual. Não sei se isso é português, mas vem dos povos que têm de encontrar soluções.
Indo aos livros, o que vos distingue aos dois em termos de escrita?
MC: Ele é muito melhor do que eu.
JEA: Acho que o que distingue a escrita do Mia é a presença da poesia. São textos com uma carga poética muito forte – a realidade pode ser dura, mas é sempre temperada por um grande lirismo e encantamento pela vida. E ele tem essa paixão pelos pequenos seres e pelas pessoas mais desprotegidas.
E agora ao contrário: Mia, o que aprecia na escrita do José Eduardo?
MC: Eu aprendo muito com o Zé, embora ele não acredite. Acho que essa dimensão poética está lá, e o que admiro nele é exatamente uma maior capacidade de contenção no uso dessa beleza que não tem de se exibir e estar à mostra. É uma pedra preciosa que se encontra, porque se descobre na frase ou na história... Quando escreve sobre Angola, faz de coisas banais coisas extraordinárias… e o Zé traz Angola sempre com ele. Estamos condenados aí, Zé, eu também – por onde quer que a gente vá, levamos nem que seja estas nações inventadas connosco. É um orgulho ter um amigo que faz uma coisa destas.
Escrever é quase por definição um ato solitário. Como foi escrever este livro a quatro mãos? Só o conseguem porque são muito amigos?
JEA: Trata-se de peças de teatro, foi um desafio que nos colocaram. Mas sim, é difícil fazer isso sem ter uma grande intimidade e admiração pela outra pessoa.
MC: Creio que aceitamos os dois que era alguma coisa que não sabemos. E esse não saber não nos assustou…
JEA: … A nossa principal característica é a irresponsabilidade.
MC: Sim, isso mora um pouco em nós! Mas sempre não enganando ninguém, declaramos que vamos tentar e ver o que sai.
Luís Barra
E divertiram-se pelo caminho?
JEA: Muito! A primeira peça escrevemos em três dias e foi um disparate. A primeira é a do Chovem Amores na Rua do Matadouro, que não é um título muito feliz.
MC: É horrível!
JEA: Um dia destes, o Mia deu uma entrevista ao Globo e disse: “Chovem Tiros na Rua do Matadouro.” E eu telefonei ao Mia a dizer: “Estes jornalistas cada vez estão piores! Nem vão à internet confirmar.” E ele disse: “Não, mas fui eu que me enganei!”. Este título até era melhor do que o outro. [Risos.]
Escrever é-vos penoso ou um prazer? Há escritores para quem é um sofrimento: o Hemingway dizia que se sentava à secretária e sangrava, José Cardoso Pires também confessava um sacrifício enorme.
JEA: Eu se sofresse não escrevia. Eu escrevo ao encontro da surpresa. Há muitos escritores que quando começam a escrever já têm o livro todo na cabeça, já o têm montado, isso é um trabalho no sentido etimológico da palavra. Mas essa não é a nossa escola: nós escrevemos e não sabemos o que vai acontecer.
Sentam-se para escrever e deixam simplesmente a história fluir?
MC: Sim, é como um jogo. A história é que vai dizer-nos o que é a história e, ao mesmo tempo, vai revelar-nos quem somos.
JEA: Para nós, a escrita é um processo de descoberta e de surpresa e de encantamento permanente.
MC: Mas houve um livro em que eu sofri.
Qual?
MC: No Terra Sonâmbula, eu sofri para escrever aquilo. Porque quem me conduzia naquela história eram vozes de gente que morreu, os meus colegas que me interpelavam… de noite, eu acordava com aquela coisa. Não me deu grande prazer, sinceramente. Depois, sim, quando consegui sentar-me lá em cima do cavalo e dominar aquilo e dizer: “Agora a história é minha, já não é vossa...” Aí, sim. Mas foi o único livro que me custou.
Os dois são escritores que olham para o mundo e para a sociedade à vossa volta e os colocam nos livros e nas crónicas. Entendem que uma escrita que não tem isso tem menos préstimo?
JEA: Nos nossos países, seria um desperdício não usar a literatura enquanto reflexão e terreno de debate.
MC: Mas há literatura que não se propõe, de uma maneira imediata, a refletir sobre as coisas do momento e não deixa de ser boa.
JEA: É verdade. Mas nos nossos países há uma urgência. Aquelas vozes são vozes que têm de se manifestar, aquelas histórias precisam de ser contadas. Para mim, é isso que distingue a atual literatura africana – são tantas e tão diferentes.
Literatura ou crónica – o que vos dá mais prazer?
MC: Para mim é o conto, algo a meio caminho. Tem esse efeito surpresa, aquela reviravolta, e fazer acontecer tudo num espaço concentrado – é a mesma lógica da anedota.
JEA: É uma alegria rápida, o romance dá uma felicidade a longo prazo.
MC: Eu já estou na fase das alegrias rápidas! [Risos.]
Mas porque é que conseguimos fazer este texto teatral juntos? Porque juntos já fizemos muita coisa, algo que não sei se é tão comum entre escritores: nós trocamos textos há muito tempo; antes de eu publicar, envio para o Zé e digo: “Olha lá para isto e vê se está bem.”
A capacidade de indignação é uma coisa que vos faz carburar e escrever?
JEA: Sem dúvida. Há duas coisas diferentes: por um lado, escrevemos movidos por um encantamento pela realidade e pela comoção; outras vezes, movidos pela indignação. A indignação, para escrever crónicas, é ótima. Nesse estado, escreve-se uma crónica em cinco minutos.
MC: Em minha casa, diz-se muito: “Ah, isso só podia ter acontecido contigo...”, porque há certas situações que me acontecem na rua, no quotidiano, complemente irreais. Acontece-me de tudo. Acho que isso só tem que ver com a disponibilidade que temos para ver e escutar.
JEA: Mas nós atraímos muita coisa. A melhor história é uma que aconteceu com o Mia, e que dá uma boa imagem do Brasil de hoje. O Mia foi apresentar um livro numa escola católica. E quando lá chegou, as professoras quiseram falar com ele em privado. Pegaram num livro dele e disseram: “Há aqui uma situação aborrecida. O senhor tem aqui uma cena de sexo, entre um camponês e uma jumenta.”
MC: Eu fiquei embasbacado, tentei disfarçar e elas perguntaram: “E foi consensual? Não?! Então foi um estupro!” Pela primeira vez na vida, eu não sabia o que havia de dizer! Vou desmaiar? Vou chorar? [Risos.]
Parece uma anedota. E isso é tudo muito bom material para escrever.
MC: O mundo tem muito mais do que a gente pensa. É mesmo melhor do que a ficção.
JEA: Nos nossos países, temos de cortar as asas à realidade para caber na ficção.
Hoje, a realidade, sobretudo política, ultrapassa tudo o que podíamos imaginar.
JEA: Vamos ser sinceros: se eu há dez anos tivesse escrito um romance sobre o Brasil com um Presidente como Jair Bolsonaro, que diz estas coisas, ninguém acreditava em mim.
O Brasil é um tema importante. Os dois são muito próximos do país. Como é que se chegou aqui e, sobretudo, como é que se sai daqui?
JEA: No Brasil, está toda a gente espantada e muitas pessoas estão incapazes de reagir.
MC: O que espanta é como é que os próprios brasileiros se desconheciam tanto. Porque aquele Brasil estava lá. Quanto daquilo foi trabalhado por essas igrejas evangélicas quando se preparou um terreno que era moralista e puritano, que contrariava a imagem que o Brasil produzia de si próprio como um país tolerante e liberal. Mas acho que ele serve tão mal a própria direita, que será ela a fazê-lo cair. Eu estava no Brasil quando ele começou a atacar a Vale do Rio Doce. É muita falta de inteligência. Veja-se a recusa burra de assinar o Prémio Camões: o Chico respondeu da melhor maneira possível – assim ganho duas vezes!
As pessoas não estão a saber reagir. O José Eduardo contou--me que as pessoas choram nas vossas sessões no Brasil.
JEA: Sim, é impressionante. Eu, um dia, disse numa sessão que, mesmo que o Brasil mude, este dano à sua imagem está feito, e as pessoas começaram a chorar.
MC: É incrível, porque as pessoas dizem: “Gostei muito da sessão, chorei do princípio ao fim.”
É uma catarse, uma libertação?
JEA: É um luto mesmo. Há uma grande depressão no Brasil.
MC: E é uma falta de esperança, as pessoas não têm saída, não se desenha uma solução – há um clima de divisão enorme.
JEA: Há uma impossibilidade de diálogo que lembra Angola e Moçambique no período de pré-guerra civil: os pais deixam de falar com os filhos, os irmãos deixam de falar uns com os outros. E nós tentamos dizer que nada justifica isso: nenhum político justifica que um irmão deixe de falar com outro irmão. Mas é o que está a acontecer. O Verissimo [Luis Fernando, escritor] escreveu numa crónica: “Já estamos em guerra.” E Bolsonaro está a fazer o que prometeu – e uma das coisas que ele prometeu foi uma guerra civil.
A cultura sempre teve um papel de resistência e de oposição importante. Agora também.
JEA: Sim, Bolsonaro está em guerra contra toda a gente da cultura.
MC: Acho que falta uma insurgência, uma liderança, uma indignação concertada. As pessoas que ganharam o Prémio Camões, por exemplo, deviam juntar-se e fazer qualquer coisa.
O que foi feito com a Fernanda Montenegro é inacreditável.
MC: Sim, ela simboliza o respeito que o Brasil granjeou no mundo. Não há respeito por nada! Houve algumas vozes, mas falta uma coisa concertada. Uma cidade que pôs dois milhões de pessoas numa parada gay não pode pôr dois milhões de pessoas que se sentem ofendidas com o que se passou com tudo isto?
Como é que dois homens da escrita que olham a sociedade explicam este crescimento das extremas-direitas em todo o lado?
JEA: É um movimento de resistência contra a mudança: há coisas que estão a acontecer no mundo que não vão ter recuo, como o avanço das minorias. E há um grupo de pessoas que não consegue entender nem aceitar isso.
O problema é que se começam a dizer coisas impronunciáveis antes. As pessoas sentem-se legitimadas a dizer o que realmente pensam?
MC: Isso é verdade. Mas há uma coisa que não se diz, e que é a incapacidade da esquerda – e eu sou de esquerda – de questionar alguns dos seus exageros. Quando se levou a luta do politicamente correto àquele nível de coisa ridícula… em países como a Itália, já não se põe pai e mãe, põe-se responsável 1 e responsável 2. Há coisas absurdas como esta. Estás a dar à extrema-direita um sentimento de insegurança que está a capitalizar: Bolsonaro recebeu de bandeja coisas que foram erros que a esquerda tem de saber que cometeu, e tem de questionar-se a si própria.
JEA: E depois há uma tentação totalitária em muitos destes movimentos. A partir do momento em que se começa a defender a queima de livros, é muito sintomático.
O apagamento do passado nunca faz sentido.
JEA: Falar em livros proibidos, isso são autos de fé. Aí, eu recuo com os dois pés.
MC: Há uma certa esquerda que tentou purificar o mundo...
JEA: ... E é preciso dar atenção a isso e não deixar que essa bandeira – a da diversidade, a da tolerância – caia nas mãos da direita.
E como está Angola agora com João Lourenço como Presidente? Foi uma boa surpresa?
JEA: Acho que está muito melhor. Ninguém sabia o que ia acontecer, nem o próprio João Lourenço. Estive em Angola em abril com o Mia e o que me impressionou foi a liberdade de expressão e de manifestação que se respira hoje. Não há dúvida alguma de que se deve a ele. Mas falta fazer o resto. As pessoas hoje não estão satisfeitas, queriam mais. O desemprego é um problema gravíssimo, a corrupção está a ser combatida pela metade, há muitos motivos para que as pessoas estejam desagradadas. É preciso compreender que o João Lourenço tem de batalhar contra o seu próprio partido – o grande inimigo não é a UNITA nem a oposição, é o próprio MPLA; e ele ainda não tem o controlo total do partido. Mas eu estou otimista – abriu-se uma janela grande. E é uma mudança que não tem volta, mas não é tão fácil.
Vamos olhar para aquele vídeo de Luaty no concerto em que afronta o filho de José Eduardo dos Santos e vê-lo como “o” momento de viragem?
JEA: Sim, sem dúvida: há uma mudança que começa ali. A luta destes jovens desabrochou numa sofisticação da sociedade civil que possibilitou ao João Lourenço tomar esta atitude. E ele só conseguiu porque sabia que ia ter o apoio da sociedade civil.
E Moçambique? Como está a sua terra “abensonhada”, Mia?
MC: Não está muito abensonhada... Começámos uma coisa muito incipiente com o que se passou em Angola, mas foi uma tentativa fraca. Em Angola, fala-se na televisão oficial do “antigo regime”, assim mesmo, assumindo-se que se virou uma página. Em Moçambique, não: está tudo ainda muito misturado, com a agravante de haver uma nova situação de ameaça militar, e essas ameaças militares criam sempre situações de exceção, em que a democracia não pode ser tão plenamente exercida.
E este acordo de paz tem futuro?
MC: Sim, já é o terceiro, mas foi importante. Se for preciso, faremos o quarto e o quinto. Até este, a Renamo continuava com as armas na mão.
O Mia era um crente, militou na Frelimo, mas já o ouvi dizer que a pior das ditaduras é a do possível. Acabou por se habituar à ideia de que não é possível conseguir tudo o que sonhou?
MC: A ditadura da realidade é o que nos faz desistir de pensar numa coisa qualquer, numa utopia.
Mudando de assunto. Algo que vos une é uma forte consciência ambiental. Antes de o tema estar na ordem do dia, já o Mia, que é biólogo, estudava estes temas, e o José Eduardo foi dirigente ecologista na faculdade. Acreditam que finalmente as pessoas estão a perceber a urgência do estado do planeta? É uma calamidade?
JEA: Sim, é uma calamidade. Infelizmente, a maioria das pessoas ainda não se apercebeu, continua a ignorar os sinais e a viver como se não existissem limites.
MC: Eu tenho o receio de que parte das campanhas estejam a produzir efeitos contraproducentes. Muitas vezes se usa, para falar de Natureza, um discurso apocalíptico. Esse sentimento de fim do mundo cria angústias que facilitam a busca de salvadores, a construção de fortalezas protetoras e de identidades essenciais. Há, por outro lado, uma responsabilização do cidadão comum quando se distribui por todos a mesma carga de culpa: “Estamos [sublinha] a destruir o meio ambiente.” E logo a seguir se apela para que poupemos água e energia em nossas casas. Esse discurso pode ser pedagógico para quem tenha água e luz em casa (e uma grande parte da Humanidade nem isso tem), mas deve ser acompanhado pela tomada de consciência de que o grande poluidor e esbanjador não é o cidadão comum mas os grandes interesses económicos, a atitude predadora da grande indústria, da mineração e da agricultura. É preciso, por último, que os assuntos ambientais sejam “desambientalizados”, isto é, que não sejam olhados em si mesmos, mas como parte de um questionamento mais vasto. A Amazónia não é uma preocupação para os ambientalistas. É um assunto político, económico e necessita de ser encarado de um modo mais integrado e radical. É preciso que se deixe de conceber o património natural como recursos naturais. Já nem questionamos que as pessoas sejam chamadas de recursos humanos.
Não é estranho que precisemos de uma criança de 16 anos para nos vir alertar para o mesmo que cientistas andam a dizer há 30?
JEA: Alguém com 16 anos não é mais criança. Uma pessoa com 16 anos já tem consciência, ou deveria ter, dos grandes problemas que enfrentamos, e é não só natural, como desejável, que queira intervir. Nem me surpreende. Os jovens da idade da Greta serão os principais atingidos pelos erros e pelos crimes das gerações mais velhas.
MC: Eu partilho da ideia do Agualusa. Mas, por outro lado, creio que a presença dessa menina dá conta de uma ausência: onde estão os outros, as pessoas adultas e as instituições de Ciência que deviam estar na linha da frente?
Mia, no Terrorista Elegante, há um homem que fala com um passarinho na mão. Sei que os pássaros são uma espécie de superstição para si. Deixam-lhe mensagens? A Natureza fala consigo?
MC: Sempre construí um entendimento de que os pássaros (como todos os outros animais e plantas) não são apenas criaturas naturais mas são parentes nossos, bem mais próximos do que pensamos. O curso de Biologia não me deu exatamente um “saber”, mas um modo de estar em sintonia com esses outros que pensamos distantes. Misturo literatura e ciência biológica para recuperar uma relação simbiótica que persistiu durante centenas de milhares de anos entre a Humanidade e os outros seres.
De que forma a tecnologia e as redes sociais nos estão a transformar como seres humanos? Somos os primeiros ciborgues, telemóveldependentes?
MC: Eu tenho a crença de que estes ecrãs que hoje tomaram posse do nosso horizonte não substituirão nunca a necessidade profundamente humana de trocarmos olhares e de sentirmos a presença corpórea dos outros. O adolescente que publica uma selfie no Facebook procura, afinal, um momento que nenhum ecrã lhe pode proporcionar, esse suspiro que buscamos quando murmuramos: “Ela (ou ele) olhou para mim!”
JEA: A tecnologia pode, como sempre aconteceu ao longo da História da Humanidade, ser utilizada para o bem ou para o mal. Utilizada para o bem, está a servir para democratizar a informação. Hoje, é possível um jovem angolano isolado numa localidade remota ter acesso a jornais e a inúmeros títulos gratuitos, por exemplo, uma boa parte dos grandes clássicos da literatura universal. Isso é extraordinário.
Hoje, foi divulgado o Nobel de Literatura. Quão importante ainda é esta distinção? Imaginam o que seja viver obcecado a sonhar com um prémio destes?
JEA: Todos os prémios são importantes, embora uns sejam mais úteis do que outros para impulsionar traduções, ou seja, para internacionalizar a obra de um escritor. Nunca perdi o sono por causa de um prémio, nem mesmo quando fui finalista do Booker, e existia a possibilidade real de o ganhar. Não penso nisso. Se acontecer, muito bem, fico feliz. Nem eu nem o Mia prestamos muita atenção, nem aos aplausos, nem às vaias. Continuamos a escrever como no início, quando ainda não tínhamos leitores e ninguém nos conhecia. Com o mesmo deslumbramento pela surpresa de ver uma boa história se ir desenhando diante dos nossos olhos, como meninos brincando, descobrindo o mundo. Somos maravilhosamente irresponsáveis.
MC: Os prémios são bons quando eles se lembram de nós e nós nos esquecemos deles.




O o reitor honorário da

António Novoa: “minha escola ideal é a escola onde se entra pela biblioteca”

Universidade de Lisboa, as bibliotecas, municipais e escolares, são uma das grandes mudanças trazidas pela Revolução em Portugal
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Nesta entrevista concedida com exclusividade à Biblioo, António Novoa, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa e reitor honorário da mesma universidade, fala sobre educação, escola sem partido e o papel das bibliotecas no processo educacional. Novoa, que foi candidato independente às eleições presidenciais de 2016, agregando vários apoios à esquerda, diz que as bibliotecas, municipais e escolares, são uma das grandes mudanças trazidas pela Revolução em Portugal. Confira:








FORMAÇÃO B ESLA

"Motores de busca"

Foi realizada uma formação para os alunos da turma do 8º D, 
acompanhados pelo prof. Luís Marques.




Biblioteca ESLA
dia 5 de dezembro, pelas 15h 25m

Apresentação do livro

"TERRA DIVERSA"
pelo fotógrafo profissional e autor Prof. Luís da Cruz.


Luís da Cruz,nasceu em Loulé em 1968.
Fotógrafo profissional desde 1990.
Formou-se em Fotografia na Universidade Koninklijke Academie Van Beeldende Kunsten (Haia, Holanda) e é Mestre em Belas Artes pela Universidade AKV St. Joost (Breda, Holanda).
Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 2002-2003.

segunda-feira, 25 de novembro de 2019

EXPO B ESLA

"Filosofia para crianças"

Profª Sara Raposo, com os alunos do 4º ano do 1º ciclo.

"O Amor é importante ou não? Porquê?"












B ESLA

DIA DA FILOSOFIA

Palestra com o Prof. Renato Santos
Dia 21 de novembro, pelas 10h e 20m.

"O ELOGIO DA LENTIDÃO"