segunda-feira, 24 de maio de 2010

A BE e o Jornal 100 Comentários


Fada do Lar

Na valsa mórbida que caracteriza a emancipação da mulher não há moral da história.
Sob a égide do movimento sufragista da era pós revolução industrial que se limitou a reproduzir a submissão do género em novas formas, a consciência da fragilidade da condição de ser-se mulher em quase nada se alterou neste breve panorama histórico de lutas e conquistas femininas.
Na nossa “condição” de sermos mulheres, continuamos a ter como função a de parir, criar e educar, subliminarmente transformadas em direitos quase inexistentes face a um despotismo masculino, ameaçado na sua identidade viril e, tantas vezes, confundido com paternalismos inconvenientes e exacerbados.
O elemento inquietante nesta versão traduz-se na ambição desmesurada de sermos semelhantes às Amazonas, convertidas religiosa e culturalmente em Fadas do lar. Por isso, e tal como diz Rimbaud “ Por delicadeza, perdi a minha vida.”
O véu de silêncio agudiza-se e nem mesmo a ciência, na sua procura genética de Deus, nos pode ajudar. Os determinismos culturais mantêm-nos vigilantes ao corroborar a fragilidade dos nossos direitos aparentemente conquistados.
A propaganda manipuladora da inferioridade da mulher perpassa pela literatura, pela filosofia e pela arte e prorrogara-se até aos dias de hoje em tratados debutantes pseudo-intelectuais e esquizofrénicos, apenas obliterada por pequenos testemunhos de homens e de mulheres que, sem problemas de auto-estima misóginos, fazem a apologia do feminino.
Tal como Diógenes, ando em pleno dia, com uma lanterna acesa, à procura de homens verdadeiros, eu acrescento, à procura de homens e mulheres verdadeiras.
Mesmo sabendo tratar-se de uma atitude inócua, tenho de imaginar-me feliz, tal como imagino Sísifo feliz, na metáfora inexorável da condição humana, sem géneros mefistofelicamente coisificados em objectos.
Inês Aguiar

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