terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A BE e a colaboração no Jornal «100 Comentários»



“ À espera de Godot”




Na demanda cavaleiresca do Santo Graal, auto-sequestramo-nos numa ingenuidade obnóxia e a nossa inspiração passou a ser a inépcia e a bonomia, tal como as personagens que caracterizam esta obra genial de Samuel Beckett.

Nesta espera metafísica, já não somos rivais irascíveis uns dos outros, mas nas nossas putativas disfasias somos o Dr.Jekyll e o alienado misantropo Hyde e face à necessidade ilimitada de poder, o vírus indomável da superioridade converte-nos em ditadores autocráticos, felizes idilicamente com a adversidade dos outros, escamoteado pela ideia sinistra do inconsciente colectivo.

Na ascese a uma nova estética, a solução perpassa pelos senis: esquecimento condescendente do que fomos e do que somos, quer em termos históricos, quer em termos culturais, vergados pelo afastamento e pela renitência do mundo em submeter-se, sem objecções, à nossa força beligerante exuberante e às nossas necessidades próprias de um farisaísmo exasperante.

A abolição deste silêncio de fundo ontológico, aparentemente risível, foi suprido pelo uso da tecnologia, mais precisamente, pelo uso dos telemóveis. Nesta nova solidão, todos nós queremos fazer-nos ouvir, sem ouvir ninguém e nesta crença de máxima liberdade estamos à espera, não de Godot, mas de nós próprios mefistofelicamente divinizados, face à evidência inexpugnável e inexorável de que a vida é a soma das nossas incapacidades, tão bem ilustrado no Fausto de Goethe, epifania concupiscente de que o inferno somos nós.

T.S. Elliot diz-nos “ As palavras do ano passado são da linguagem do ano passado/ E as palavras do ano que vem aguardam uma outra voz.” Eu aguardo uma outra voz, um outro ano, mas já não espero Godot.

                                                                                                                      Inês Aguiar

Sem comentários: