O Legado de Job
Amodorrados a um espaço diegético pueril e estéril, esmaecemos nos nossos desejos de atonia e de acrasia, subliminarmente convertidos em denegações fetichistas.
Vivemos como hipnotizados que tentam hipnotizar o outro, o próximo num exercício de peroração retórica, mas como diz Lacan “o desejo humano é o desejo do outro: o desejo pelo outro, desejo de ser desejado pelo outro e especialmente o desejo daquilo que o outro deseja.”
Sendo o outro um objecto de crença, qualquer coisa que se pressupõe, isto significa que o outro próximo é um intruso que nos perturba, de forma traumática, como tal deve ser abolido, despojado da sua casa, como se de um óbolo se tratasse.
Talvez seja por isso que o nosso tempo esteja “privado de mundo” e às pulsões freudianas – Eros e Tanathos -, devêssemos acrescentar o Thymos, ou seja, a competição e o desejo de reconhecimento que perpassam pela abolição da dimensão do próximo, convertendo a experiência humana numa experiência assimétrica de inadequação perversa, histriónica e histérica a si própria.
Superegóicos, passamos a ser senhores e escravos de nós mesmos e nesta orientação solipsista e pseudo partenogenética, a casa do ser de Heidegger revela-se como sendo ominosa.
Face ao desvirtuamento e desencantamento secular, o legado de Job é outro “os melhores perderam toda a convicção, enquanto os piores estão cheios de intensa paixão.”
Inês Aguiar
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