terça-feira, 10 de abril de 2012

Sugestões da tua BE - abril




Manuel Alegre (1945, Porto)


“Quase um auto-retrato”

“Aos vinte e poucos anos escrevi: “meu poema rimou com a minha vida”. Era ainda muito cedo, não sei sequer se é verdade, embora muitas coisas me tivessem já acontecido: amores, partidas, guerra, revoltas, "prisões baixas". O que mais tarde me levaria a dizer: "biografia a mais". Muito antes, lá pelos vinte, tinha lido uma frase de André Gide que me impressionou. Dizia ele: "a análise psicológica deixou de me interessar desde o dia em que cheguei à conclusão de que cada um é o que imagina que é." Até que ponto sou o que me imaginei ser? Se soubesse pintar (mas não sei) faria o meu auto-retrato a olhar para ontem, ou para dentro, ou para outro lado. Distraído-concentrado, presente-ausente, um não sei quê (…).

Na poesia, sim. Mas como ritmo, como música interior, canto e encanto, incantação, exorcismo, uma forma de relação mágica com o mundo. A um professor brasileiro que trabalhava numa tese sobre mim, respondi: "Escrita e vida são inseparáveis. Embora eu entenda a poesia como experiência mágica, algo que está aquém e além da literatura."



Variações sobre

O POEMA POUCO ORIGINAL DO MEDO

de Alexandre O'Neill

Os ratos invadiram a cidade

povoaram as casas os ratos roeram

o coração das gentes.

Cada homem traz um rato na alma.

Na rua os ratos roeram a vida.

É proibido não ser rato.



Canto na toca. E sou um homem.

Os ratos não tiveram tempo de roer-me

os ratos não podem roer um homem

que grita não aos ratos.

Encho a toca de sol.

(Cá fora os ratos roeram o sol).

Encho a toca de luar.

(Cá fora os ratos roeram a lua).

Encho a toca de amor.

(Cá fora os ratos roeram o amor).



Na toca que já foi dos ratos cantam

os homens que não chiam. E cantando

a toca enche-se de sol.

(O pouco sol que os ratos não roeram).


Vem à BE da ESLA e deixa-te (en)cantar!!!!

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