"Um colega de universidade chamou-me a atenção para um
comentário de Camilo Lourenço sobre professores de História no qual afirma que estes não são necessários à economia.
Camilo Lourenço é um homem que tem feito carreira no
comentário económico através de declarações provocadoras. Algumas, como esta,
são infelizes; outras interessantes e acutilantes. (Num parêntesis,
esclareço que apesar de nunca ter trabalhado com ele, fui publisher de uma
revista - a Exame - de que fora diretor, pelo que posso dizer que a versão que
por aí circula do seu afastamento por causa de um artigo sobre o
BPN é... ficção).
Se Camilo tivesse estudado Humanidades, sabia que a
utilidade não pode ser a medida de todas as coisas e conheceria as críticas ao utilitarismo. Ocorre-me, até, que caso
seja economista, Camilo possa conhecer essas críticas. E isso torna as coisas
piores, porque significa que ele foi levado a dizer o que disse não por
desconhecimento - o que conduz àquele pensamento cristão, "Perdoa-lhe
Senhor, que ele não sabe o que diz" -, mas por convicção, o que eleva o debate a um novo patamar.
O utilitarismo analisa as ações pela utilidade que têm
ou virão a ter na produção de bem estar numa sociedade. Por exemplo, um
utilitarista moderado dirá que os idosos produzem bem estar social
através do exemplo, ou da integração social e da transmissão de conhecimentos e
sabedoria. Já um radical - camilista? - dirá que um velho é um
desqualificado porque já nada produz e só gasta
dinheiro.
"Não pode ser. Mas um licenciado em História é
qualificado só por que tem um canudo?" pergunta Camilo. E a resposta é
sim. É qualificado porque o reconheceram como
possuidor de um conjunto de conhecimentos (se bem ou mal é outra
discussão). Claro que a qualidade do seu trabalho pode ser melhor ou pior, mas
dizer que licenciados em História, ou em Filosofia, ou em Clássicas ou em
Literatura não têm qualificação só por terem um canudo - uma vez que não "têm utilidade no mercado de trabalho", é o mesmo que dizer
que um idoso não tem utilidade porque só gasta dinheiro e não produz nada (algo que lembrou a um senhor economista no Japão). Ou,
como diz Camilo, "Não tem utilidade para a economia".
A Economia é importante, Camilo, claro que é. Mas o mundo é mais do que a Economia. A mera racionalidade económica, se não
for compensada por aspetos como caridade/solidariedade;
amizade/companheirismo/amor; coesão/camaradagem/vizinhança entre muitas outras
categorias não económicas (ocorre-me também a boa educação), é inútil.
Como já demonstrou o suspeito licenciado em História
Rui Tavares (ontem, num artigo no 'Público') acresce que os licenciados em
História têm utilidade para a Economia. E os licenciados em Filosofia também. Muitas empresas, por todo o mundo, contratam quadros destes cursos porque o
conhecimento da história e do pensamento permite às empresas evitar erros.
Por exemplo, Amos Shapira, o CEO da Cellcom,a maior
empresa de Cabo nos EUA, diz literalmente isto: "O conhecimento que uso
como CEO pode ser adquirido em duas semanas... A principal coisa que os
estudantes têm de aprender é como estudar e analisar as coisas, incluindo a
História e a Filosofia". O design da Apple deve-se a um curso de
caligrafia de Steve Jobs. Grandes vendedores dos EUA vêm de cursos de letras e
de teatro. Em França, caro Camilo, Filósofos dão consultas a dirigentes de
empresas, para os ajudar a ultrapassar certos dilemas. A própria utilidade das Humanidades na Economia é indiscutível e é
reconhecida por fontes insuspeitas como a Harvard Business Review.
Porque qualquer licenciado em Filosofia diria que a
teoria do crescimento constante da Economia é anti-natural (não há nada na
natureza que cresça constantemente sem morrer). Qualquer licenciado em História
sabe que o desequilíbrio entre a China e a Europa é bastante recente em termos
históricos, pelo que tender-se-ia para o re-equilíbrio que está a
acontecer.
São coisas úteis para a sociedade,
sobretudo se a sociedade não for formada por um conjunto de ignorantes."
Henrique Monteiro
http://expresso.sapo.pt/camilo-lourenco-a-historia-e-a-utilidade-economica=f790202#ixzz2MOzFfRNX
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