Os adolescentes portugueses têm um problema com a escola. E tem piorado
15/03/2016 - 08:00
Grande estudo da OMS sobre a adolescência. Portugal é dos países onde há
menos jovens a dizer que gostam muito da escola. E os seus níveis de satisfação
com a vida já conheceram melhores dias. Mas em muitos aspectos são mais
saudáveis.
Os adolescentes portugueses sentem-se mais apoiados pela família.
Queixam-se menos de dores de cabeça, de estômago, de dificuldades em dormir.
São dos que mais tomam o pequeno-almoço todos os dias, o que, é sabido, é
bastante saudável. Têm consumos de álcool ligeiramente abaixo da média
observada noutros países. E fumar vai sendo menos frequente. O novo grande
estudo internacional sobre a adolescência, da Organização Mundial de Saúde
(OMS), faria respirar de alívio milhares de pais em Portugal se ficássemos por
aqui. Mas não é o caso. Primeira má notícia: os adolescentes portugueses são
dos que gostam menos da escola, em 42 países e regiões analisados. E piorou
bastante nos últimos anos.
"Quando em Portugal perguntamos do que é que gostam na escola, as aulas
aparecem em último lugar. Pior que as aulas, só mesmo a comida da cantina. E
isto tem sido recorrente, somos sempre dos piores no gosto pela escola e na
percepção de sucesso escolar. Não há nenhuma razão demográfica ou geográfica
que eu conheça que explique tal, e o atraso provocado pelo obscurantismo de
antes do 25 Abril (sendo uma incontestável verdade) já devia, por esta altura,
estar ultrapassado.” Quem o diz é Margarida Gaspar de Matos, a investigadora
que em Portugal coordena este estudo da OMS desde que, em 1998, o país começou
a participar.
Chama-se Health Behaviour in School-aged Children, é feito de
quatro em quatro anos. Os resultados da edição de 2014/2015 são apresentados
nesta terça-feira de manhã, em Bruxelas. Baseiam-se nas respostas de mais de
220 mil adolescentes europeus e do Norte da América.
A recolha foi feita em escolas com 6.º, 8.º e 10.º anos. O objectivo é
avaliar hábitos, consumos, comportamentos, com impacto na saúde física e
mental, em diferentes fases de crescimento: aos 11, aos 13 e aos 15 anos.
Em Portugal participaram 6000 adolescentes — em Dezembro
de 2014 o PÚBLICO divulgou as primeiras conclusões do inquérito nacional,
aplicado nesse ano, que mostravam um número crescente de jovens a queixar-se de
sintomas que revelavam mal-estar psicológico, tristeza, stress, insatisfação.
Agora, com este relatório internacional, esses dados são vistos à luz do que se
passa noutros pontos do globo.
A escola vai mal
Gostas muito da escola? Cerca de um quarto dos adolescentes de 15 anos dos
42 países e regiões participantes dizem que sim. A Arménia tem o melhor
resultado, a Bélgica francófona o pior, Portugal surge com a 33.ª pior posição:
só 11% dos rapazes e 14% das raparigas dizem que gostam bastante da escola.
Os adolescentes portugueses são também dos que maior pressão sentem com a
vida escolar e dos que menos se têm em conta como alunos. É assim desde cedo:
aos 11 anos, aparecem quase no fim da tabela, com a 38.ª pior auto-avaliação do
seu desempenho escolar. Aos 15 é pior. Só 35% das raparigas e 50% dos rapazes
consideram que têm bom desempenho escolar, quando a média dos 42 países é 60%.
Os albaneses, os búlgaros, os israelitas e os ingleses são os que mais
acham que na escola até se saem bem; os portugueses e os húngaros estão no
extremo oposto.
“Isto é um forte alerta aos responsáveis pela educação neste país”, diz
Margarida Matos, em resposta ao PÚBLICO. “É preciso avaliar a situação,
identificar determinantes, estudar casos de sucesso noutros países, aprender
com o que funciona bem. A minha percepção, neste e noutros casos, é que temos
uma tendência nacional para nos esmerarmos na legislação, mas esta raras vezes
é antecedida de uma avaliação dos pontos fortes e fracos das situações e ainda
mais raras vezes é seguida por um estudo das consequências e dos riscos. Do
ponto de vista da populações (e neste caso das famílias) parece que os
governantes andam a saltar de medida em medida ‘apenas’ para fazer diferente,
sem grande racional por trás.”
Nem sempre estivemos tão mal: em 1997/1998, ano de estreia dos portugueses
no estudo da OMS, o país era o 2.º no gosto pela escola, em 28 participantes.
Melhor do que a Noruega, Israel ou os Estados Unidos, por exemplo. Mais de um
terço dos jovens portugueses de 15 anos diziam então que gostavam muito da
escola.
Em 2001/02 descíamos para 8.º no ranking. Quatro anos depois já aparecíamos
em 22.º. E se em 2009/10 se registou uma ligeira melhoria (o país ficou 21.º),
em 2014/15 estamos pior do que nunca, com o tal 33.º lugar.
O problema não são os colegas — que são, na verdade, o que os portugueses
mais gostam na escola, seguindo-se os “intervalos” entre aulas. O problema são
mesmo as aulas, consideradas aborrecidas, e “a matéria”, que é descrita como
excessiva, prossegue a investigadora da Faculdade de Motricidade Humana, da
Universidade de Lisboa.
As diferenças de género são evidentes: as raparigas têm quase sempre pior
percepção da sua competência escolar. Aos 15 anos gostam menos da escola do que
eles. E são também elas que mais se mostram mais stressadas com os trabalhos
para casa. De resto, em Portugal, como no resto do mundo, as meninas estão a
suscitar preocupações crescentes aos peritos da OMS. “São mais propensas a
relatar saúde irregular, múltiplas queixas, menor satisfação com a vida”, lê-se
nas conclusões do relatório internacional.
E a vida em geral?
“A experiência que se tem com a escola pode ser crucial no desenvolvimento
da auto-estima e de comportamentos saudáveis. Os adolescentes que sentem que a
escola os apoia estão mais propensos a ter comportamentos positivos e a serem
mais saudáveis”, prosseguem os peritos da OMS, “têm níveis de satisfação com a
vida mais elevados, menos queixas relacionadas de saúde e apresentam menor
prevalência de consumo de tabaco”. Em suma: as escolas têm um papel essencial
no bem-estar.
Em Portugal, contudo, como já se viu, a escola não parece ser grande fonte
de felicidade. E os temas “satisfação com a vida” e “bem-estar” foram mesmo dos
mais surpreendentes no inquérito português quando ele foi divulgado no fim de
2014. Quase um em cada três adolescentes disse que se sentia deprimido mais do
que uma vez por semana. Eram 13% em 2010. E um em cada cinco alunos do 8.º e
10.º anos magoara-se a si próprio nos 12 meses anteriores ao inquérito,
sobretudo cortando-se nos braços, nas pernas, na barriga.
As perguntas relacionadas com auto-lesões não foram incluídas no estudo
internacional agora tornado público, uma vez que nem todos os países as
colocaram nos inquéritos. Não eram obrigatórias. Mas atente-se, por exemplo, à
pergunta sobre “satisfação com a vida”: os adolescentes portugueses estão
comparativamente em pior posição, aos 13 e 15 anos, do que os de outros países.
Números: em Portugal, 74% das raparigas e 83% dos rapazes de 15 anos deram uma
nota de 6 ou mais à sua felicidade (numa escala de 0 a 10); a média do HBSC é
de 79% e 87%, respectivamente, o que significa que sobretudo as raparigas
portuguesas estão aquém da média. Globalmente, o país aparece neste indicador
em 36.º lugar, em 42. Há quatro anos, estávamos melhor, em 28.º.
Os luxemburgueses, os galeses, os ingleses, os polacos e os macedónios são
os menos satisfeitos de todos, aos 15 anos de idade. E é na Arménia, na
Moldávia, na Albânia, na Holanda e na Suíça que se encontram as maiores
percentagens de satisfação com a vida.
“O que aconteceu em Portugal foi que os jovens com elevada satisfação
melhoraram, os com muito baixa satisfação continuaram assim, mas os que tinham
uma satisfação mediana desceram”, explica Margarida Gaspar de Matos. A recessão
económica, diz, “além de ter feito descer a satisfação com a vida,
foi fonte de iniquidade, uma vez que não afectou os mais satisfeitos, havendo
uma associação da satisfação com a vida com a condição económica — quanto
melhor condição económica mais satisfação com a vida”.
Sexo com preservativo
Boa notícia é o facto de quando se fala dos chamados “sintomas múltiplos” —
dores de estômago, de cabeça, dificuldades em dormir — o país aparecer
muitíssimo melhor do que outros, com percentagens bem abaixo de média de jovens
a declarar tais sofrimentos. “Ainda temos um bom Sistema Nacional de Saúde,
certo? A precariedade afecta primeiro a satisfação e o bem-estar e só depois a
saúde física”, continua a investigadora.
E como se saem os portugueses em matéria de consumos? Há “bons resultados,
comparados com as médias HBSC”, prossegue. Comece-se pelo tabaco: 10% das
raparigas e 12% dos rapazes de 15 anos fumam pelo menos uma vez por semana, a
média dos países do HBSC é 11% e 12%. No que diz respeito ao uso de cannabis passa-se
o mesmo (entre 10 e 13% já usaram, a média é 13% e 17%).
(...)
As más notícias regressam quando se chega ao capítulo do peso/obesidade. Em
Portugal, há mais adolescentes com excesso de peso ou até mesmo obesos do que a
média. No grupo dos miúdos de 15 anos, o país está no 12.º lugar (entre 16% e
21%, respectivamente raparigas ou rapazes, apresentam peso a mais ou obesidade,
o que significa um ligeiro aumento em relação há quatro anos).
Pesados e parados
As meninas portuguesas de 13 anos são mesmo das que têm mais excesso de
peso nos 42 países analisados: 24% têm peso a mais ou estão já obesas, sendo
que uma prevalência igual é observada no Canadá e maior só em Malta.
Portugal tem ainda um ponto a seu desfavor: aos 11, 13 ou 15 anos os
adolescentes portugueses são dos que menos exercício físico fazem diariamente —
o indicador é “60 minutos por dia de actividade física moderada a vigorosa”,
que é o recomendado, como lembra a OMS.
“Temos agora uma regulação cuidada sobre a alimentação nas escolas”, nota
Margarida Matos. “Mas por qualquer motivo os alunos continuam a queixar-se que
comem mal.” Ou seja, “tanto na área da alimentação na escola como na área da
prática da actividade física, o que quer que ande a ser feito não está a dar
resultado”. Serão necessárias novas abordagens.
Alguma intervenção centrada na “educação para a diferença, para a
tolerância e para a expressão convivial de pontos de vista diferentes” é também
sugerida pela investigadora, para atacar a questão do bullying.
Aos 11 anos, por exemplo, entre 11% (raparigas) e 17% (rapazes) disseram
que foram alvo de bullyingna escola, “duas ou três vezes por mês
nos últimos dois meses”. A média é 13%. O país tem, assim, a 16.ª taxa mais
alta de alunos de 11 anos que se dizem vítimas de bullying.
O cenário piora quando se avalia a percentagem de adolescentes que foram
vítimas “pelo menos uma vez nos últimos dois meses” — ou seja, quando se
procura aferir um bullying menos frequente, 34% dos alunos de 15 anos dizem ter
sido vítimas. Bem acima da média HBSC de 23%.
A coordenadora do HBSC sublinha que “diminuíram muito as situações de
vitimização desde 2002” e que “agora estamos ‘apenas’ um pouco acima da média”.
Subsiste, contudo, “algo de chamemos-lhe ‘cultural’” — relações interpessoais
algo “belicosas” entre pares, mesmo quando se diz que se gosta dos colegas: é
“o empurrão”, é o “não deixar falar”, é o “chamar parvo”, é o “insulto
ocasional”.
Margarida Matos remata: “Talvez esteja na hora de incluir, nos programas
das escolas, um aspecto convivialidade positiva entre pares, nomeadamente nas
questões entre idades, entre géneros e entre culturas.”
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