in: https://www.publico.pt/sociedade/noticia/mitos-sobre-a-perturbacao-de-hiperatividade-e-defice-de-atencao-1747843
Mitos sobre a perturbação de hiperactividade e défice
de atenção
CAROLINA
VIANA , JOANA HORTA e RICARDO LOPES (Psicologia Clínica/CADin)
23/10/2016 - 07:14
No mês em que se assinala a
consciencialização da perturbação de hiperactividade e défice de atenção, vamos
tentar desmistificar algumas questões. Todos conhecemos um hiperactivo, mas
será que sabemos o que isto significa e que implicações tem no seu dia-a-dia?
A
perturbação de hiperactividade e défice de atenção (PHDA) é uma perturbação
neurocomportamental, ou seja, tem uma base neurológica e manifesta-se em termos
comportamentais, atingindo cerca de 5% da população em idade escolar.
Caracteriza-se por uma dificuldade acentuada na manutenção da atenção, do
autocontrolo ou impulsividade, na gestão da frustração e na capacidade de
gestão das funções cerebrais que nos permitem atingir diferentes objectivos,
sejam eles a regulação da atenção, capacidade de planeamento, memória de
trabalho, organização e/ou gestão de tempo.
A PHDA surge tanto em rapazes como em
raparigas, estando a diferença na manifestação dos sintomas. Normalmente, os
rapazes são mais agitados do que as raparigas e, como tal, os sintomas de
agitação motora, aquando de uma PHDA, são mais marcados e evidentes. Por seu
turno, as raparigas apresentam sobretudo sinais de desatenção, sintomas que
passam mais facilmente despercebidos, porque não perturbam o outro.
Ao contrário do que pensamos, a
hiperactividade não é a característica mais marcante ou que causa maior
desajustamento, mas sim a desatenção, que, ao manifestar-se nos diferentes
contextos de vida das crianças e jovens, tem um impacto significativo na qualidade
de vida dos mesmos. A agitação motora em si não é obrigatoriamente
problemática: basta pensarmos que para explorar o mundo todas as crianças têm
de se mexer.
Quando as funções mencionadas estão
comprometidas, o impacto surge a vários níveis. Em contexto escolar, surgem as
dificuldades na aprendizagem, na gestão do trabalho e na regulação do
comportamento, quer com os adultos quer com os pares. Os professores vêem estes
alunos como desafiadores, preguiçosos e mal-educados e os colegas como
intrusivos, autoritários e “aqueles que chateiam”. Mais uma vez, o foco está
nos comportamentos visíveis e mais desestabilizadores para quem convive com
estes indivíduos. Quando, de facto, é a desatenção que compromete a
aprendizagem em si, a compreensão dos outros e das pistas sociais, bem como a
capacidade de resolução de problemas. São alunos que têm muita dificuldade em
envolver-se em tarefas que exijam esforço mental prolongado e por isso são
frequentemente apelidados de “preguiçosos”. A verdade é que muitas vezes se
esforçam mais do que os outros, pois esta não é uma perturbação de “não saber”
mas sim de “não fazer aquilo que se sabe” (Barkley, 1998).
Em contexto familiar, é frequente
encontrarmos nos indivíduos com PHDA um ambiente marcado por conflitos na
relação com os pais e irmãos. São crianças ou adolescentes que necessitam de
supervisão constante, têm dificuldade em seguir instruções ou pedidos e parece
que não ouvem o que lhes é dito, não porque os pais não imponham regras e
limites, mas porque uma criança ou jovem com PHDA não consegue antecipar as
consequências das suas acções. O problema advém de dificuldades na
auto-regulação do comportamento e não da falta de disciplina em casa. Nos
adultos com PHDA, estas características vão influenciar a gestão das tarefas
domésticas e a relação com os outros.
No âmbito profissional, os adultos com
PHDA são pouco organizados, têm dificuldade em seguir planos, em cumprir prazos
e em gerir o seu próprio tempo. Por estas razões, o seu trabalho é inconstante
e pode levar a mudanças repetidas de local de trabalho.
Esta perturbação também tem impacto a
nível pessoal e social. Para além do estigma de que as crianças (e adultos) com
PHDA são alvo — fruto das dificuldades comportamentais que apresentam —, também
a compreensão das situações e regras sociais exigem capacidades de atenção que
nem sempre estão presentes. Uma pessoa com PHDA pode não atender e “passar ao
lado” de pequenas pistas sociais ou sinais discretos do outro (muitas vezes não
verbais), não se apercebendo quando está a ser incorrecto. Importa assinalar
que tudo isto acontece não porque quis, mas sim porque não conseguiu.
A PHDA é uma perturbação crónica que
evolui ao longo da vida. Em cerca de 30% a 50% dos casos permanece até à idade
adulta e, quando não diagnosticado atempadamente, pode evoluir para outro tipo
de dificuldades. Há uma tendência para os sintomas de agitação motora
diminuírem mas, em contraponto, as dificuldades de auto-regulação, controlo da
atenção e impulsividade tendem a persistir ou a intensificar-se.
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