Sem educação, os homens “vão matar-se uns aos outros”, diz António Damásio
Neurocientista lança novo livro em
Portugal.
LUSA
31 de
Outubro de 2017, 21:55
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O neurocientista António Damásio RUI GAUDÊNCIO
O neurocientista António Damásio advertiu que “se não houver educação
maciça, os seres humanos vão matar-se uns aos outros”. O neurocientista
português falava no lançamento do seu novo livro A Estranha Ordem das
Coisas, que decorreu esta terça-feira em Lisboa, na Escola Secundária
António Damásio, e defendeu perante um auditório cheio que é preciso
educarmo-nos para contrariar os nossos instintos mais básicos, que nos impelem
a pensar primeiro na nossa sobrevivência.
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“O que eu quero é proteger-me a mim, aos meus e à minha família. E os
outros que se tramem. [...] É preciso suplantar uma biologia muito forte”,
disse o neurocientista, associando este comportamento a situações como as que
têm levado a um discurso anti-imigração e à ascensão de partidos neonazis de
nacionalismo xenófobo, como os casos recentes da Alemanha e da Áustria. Para
António Damásio, a forma de combater estes fenómenos “é educar maciçamente as
pessoas para que aceitem os outros”.
A Escola Secundária António Damásio foi o sítio escolhido pelo
neurocientista português para lançar em Portugal a sua nova obra, que volta a
falar da importância dos sentimentos, como a dor, o sofrimento ou o prazer
antecipado.
“Este livro é uma continuação de O Erro de Descartes, 22 anos
mais tarde. Em ‘O Erro de Descartes’ havia uma série de direcções que apontavam
para este novo livro, mas não tinha dados para o suportar”, explicou António
Damásio, referindo-se ao famoso livro que, nos finais da década de 90, veio
demonstrar como a ausência de emoções pode prejudicar a racionalidade.
O autor referiu que aquilo que fomos sentindo ao longo de séculos fez de
nós o que somos hoje, ou seja, os sentimentos definiram a nossa cultura.
António Damásio disse que o que distingue os seres humanos dos restantes
animais é a cultura: “Depois da linguagem verbal, há qualquer coisa muito maior
que é a grande epopeia cultural que estamos a construir há cem mil anos.”
O neurocientista acredita que o sentimento – que trata como “o elefante que
está no meio da sala e de quem ninguém fala” – tem um papel único no
aparecimento das culturas. “Os grande motivadores das culturas actuais foram as
condições que levaram à dor e ao sofrimento, que levaram as pessoas a ter que
fazer alguma coisa que cancelasse a dor e o sofrimento”, acrescentou António
Damásio.
“Os sentimentos, aquilo que sentimos, são o resultado de ver uma pessoa que
se ama, ou ouvir uma peça musical ou ter um magnífico repasto num restaurante.
Todas essas coisas nos provocam emoções e sentimentos. Essa vida emocional e
sentimental que temos como pano de fundo da nossa vida são as provocadoras da
nossa cultura.”
No novo livro o autor desce ao nível da célula para explicar que até os microrganismos
mais básicos se organizam para sobreviverem. Perante uma plateia com centenas
de alunos, o investigador lembrou que as bactérias não têm sistema nervoso nem
mente mas “sabem que uma outra bactéria é prima, irmã ou que não faz parte da
família”.
Perante uma ameaça, como um antibiótico, “as bactérias têm de trabalhar
solidariamente”, explicou, acrescentando que, se a maioria das bactérias
trabalha em prol do mesmo fim, também há bactérias que não trabalham. “Quando
as bactérias (trabalhadoras) se apercebem que há bactérias vira-casaca,
viram-lhes as costas”, concluiu o neurocientista, sublinhando que estas
reacções são ao nível de algo que possui “uma só célula, não tem mente e não
tem uma intenção”, ou seja, “nada disto tem a ver com consciência”.
E é perante esta evidência que o investigador conclui que “há uma colecção
de comportamentos – de conflito ou de cooperação – que é a base fundamental e
estrutural de vida”.
Durante o lançamento do livro, o investigador usou o exemplo da Catalunha
para criticar quem defende que o problema é uma abordagem emocional e não
racional: “O problema é ter mais emoções negativas do que positivas, não é ter
emoções.”
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