DN Life
À PROCURA DE LIKES, MENORES EXPÕEM INTIMIDADE NAS REDES SOCIAIS
07/06/2019
Numa sociedade altamente sexualizada,
crianças e adolescentes partilham fotos de momentos íntimos para gerar mais
interação nas redes sociais.
Texto de Joana Capucho
Mais de 110 menores foram identificados recentemente
em Espanha pela partilha de conteúdos com teor sexual nas redes sociais. Em
causa estão vídeos de momentos de intimidade publicados em plataformas como
Instagram, Twitter ou YouTube. Segundo a Polícia espanhola, há casos
em que as imagens de crianças nuas ou seminuas foram partilhadas pela família,
mas existem outros em que foram os próprios menores a publicar as imagens. O
objetivo, diz o comunicado das autoridades, era “conseguir novos seguidores
para os seus canais do Youtube ou mais likes nas suas
publicações”.
Tito Morais, fundador do MiudosSegurosNa.Net, confessa
que ficou “surpreendido” quando leu a notícia, mas, após alguma análise,
considera que “faz sentido” tendo em conta a sociedade em que vivemos. “Vários
estudos indicam que cada vez mais as redes sociais são um mecanismo de
afirmação social perante os pares, sendo conhecidos vários efeitos negativos
das mesmas ao nível da saúde mental”, diz à DN Life.
Na opinião do promotor do projeto de segurança online,
estas plataformas “promovem cada vez mais a superficialidade em
detrimento da profundidade”. O que vale atualmente é sobretudo “o parecer”,
o que se “traduz na procura do like”.
Por cá, não são conhecidos casos de
crianças ou adolescentes que partilhem conteúdo sexual com o objetivo de gerar
mais interação nas redes sociais. “De
forma deliberada, para ter mais likes ou seguidores, não tenho noção que
aconteça”, diz a psicóloga Vânia Beliz, que tem participado em várias sessões
sobre os perigos da internet nas escolas. Na opinião da sexóloga, estes são “comportamentos
típicos da adolescência, de pisar o risco, mas que nesta altura têm
consequências mais graves”.
O facto de as crianças e adolescentes viverem “num
ambiente altamente sexualizado e de saberem que o sexo e a transgressão atraem”
pode ajudar a explicar o fenómeno. “Os miúdos fazem o que veem fazer. Os
videoclips são altamente erotizados, assistem a filmes que não são adequados
para a idade”, explica a psicóloga. Ao mesmo tempo, “estão num
processo de experimentação, de transgressão, de testar os limites”. O grande
problema, frisa, “é que se colocam num cenário perigoso, porque a internet tem
uma capacidade de divulgação dos conteúdos brutal”.
A necessidade de reconhecimento e de dar nas vistas
sempre existiu, lembra a sexóloga, “mas agora surge de uma forma mais
perigosa”, porque acontece no meio digital. “Há necessidade de ser aceite, de
fazer alguma coisa que suscite a atenção dos outros. Estão numa altura em que é
importante ter aprovação”, refere a psicóloga, destacando que “o sexo vende,
chama a atenção”.
Daniel Cardoso, professor na Universidade Lusófona de
Humanidades e Tecnologias e membro do projeto EU Kids Online, também não tem
conhecimento de casos como aqueles que foram relatados em Espanha. “Mas,
do que tenho visto, os jovens e as jovens, como quaisquer outras pessoas com
vida sexual, sexualidade, interesses íntimos e que vivem numa sociedade que
sobrevaloriza a sexualidade e a experiência sexual, acabam por mobilizar as
suas próprias representações, às vezes por questões motivadas pela sua própria
vontade, outras vezes para fins mais instrumentais, como parece ser o caso”,
refere o investigador.
“Tecnicamente,
o que produzem pode ser considerado pornografia infantil, o que mostra o quão
pouco adaptadas à realidade as nossas leis estão”, diz Daniel Cardoso.
A serem reais, destaca Daniel Cardoso, “este tipo de
ações têm de ser lidas no contexto de uma sociedade e cultura que sobrevaloriza
a questão da nudez, da sexualidade e da sexualização dos corpos”. Como estão em
causa menores, o docente universitário diz que se levanta outra problemática:
“Tecnicamente, o que produzem pode ser considerado pornografia infantil, o que
mostra o quão pouco adaptadas à realidade as nossas leis estão”. Há um caso,
recorda, de uma adolescente americana que foi detida por posse e distribuição
de pornografia infantil, depois de ter enviado uma foto sua ao namorado. Em causa,
frisa, estão também “questões relacionadas com a autonomia sexual”.
“Vivemos numa sociedade que
hiperssexualiza os jovens e, quando estes começam a testar os seus limites,
achamos que é problemático, mas não problematizamos o contexto”, diz Daniel Cardoso, que prefere colocar a questão de
uma outra forma. “Que sociedade é esta que faz com que este tipo de ações faça
sentido? Se fazem isto, é porque têm resultados. Que cultura é esta que
incentiva e mobiliza este tipo de práticas?”.
Nem a GNR nem a PSP têm registo de casos de menores
que publicam fotos ou vídeos nus. Nas escolas, conta Vânia Beliz, o mais
frequente é ler testemunhos de crianças e adolescentes “que já partilharam
conteúdo erótico ou íntimo, que se filmaram ou que receberam ameaças” relacionadas
com o sexting. Segundo a psicóloga, os promotores das ações de sensibilização
leem “coisas horríveis” quando pedem relatos escritos, como casos em que as
raparigas tinham enviados nudes aos namorados que os mostraram aos amigos ou
que tinham ido a festas, consumido bebidas alcoólicas e filmado situações
íntimas.
Tito de Morais, que há vários anos tem vindo a alertar
para esta problemática, diz que, em Portugal, o que se sabe é que “há
jovens que praticam sexting e que são coagidos a fazê-lo por namorados ou
namoradas”. Daí “resulta muitas vezes sextortion (para extorsão de
dinheiro ou favores sexuais)” e, em alguns casos, revenge porn, ou
seja, publicação de vídeos ou imagens de cariz sexual sem o consentimento do
outro.
Conselhos:
·
Nunca partilhar imagens
ou vídeos de cariz íntimo na internet pois, quando
disponibilizados na web, perde o controlo sobre a sua utilização e partilha.
·
Acompanhar a
atividade das crianças na internet e a utilização das redes sociais.
·
Informar-se de forma a aumentar a literacia digital.
·
Só permitir o acesso
ao telemóvel às crianças que
mostrem maturidade para trabalhar com o dispositivo.
·
Se necessário, investir
em programas de supervisão para controlar a atividade dos menores
online.
·
Liderar pelo
exemplo: não fazer uma utilização excessiva dos smartphones e
das redes sociais.
·
Criar zonas livres da
utilização de dispositivos eletrónicos, nomeadamente o local da
refeição e os quartos.
·
É aconselhável
ter um perfil nas redes sociais onde os menores estão inscritos,
mas resista à tentação de fazer comentários sem o seu consentimento.
·
Não adicionar
desconhecidos.
·
Incluir os menores no
processo de definição de regras,
uma vez que a imposição tende a não funcionar.
·
Ter atenção a
comportamentos das crianças relacionados com o isolamento, nervosismo,
falta de auto estima, insegurança, absentismo escolar, perda de
apetite ou apresentação de lesões físicas.
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