https://flipboard.com/@rededebibli7k1a/artigos-tveoven9y/qual-o-futuro-das-crian%C3%A7as-com-dificuldades-de-aprendizagem/a-Vq-rZ93iSTGrDTDhUyx7tA%3Aa%3A2268207588-eb23684e37%2Fpublico.pt
https://www.publico.pt/2019/11/18/sociedade/opiniao/casa-onde-nao-ha-inclusao-1893127
OPINIÃO
Casa onde não há inclusão…
A nossa educação não foi ainda capaz de se libertar de
uma herança de desinvestimento de muitas dezenas de anos. Faltam recursos?
Faltam sim, e muitos.
18 de Novembro de 2019, 7:03
Não é novo – parece até bastante velho – falar-se das
carências que existem nas escolas portuguesas para que se possa cumprir o
desiderato expresso na nossa legislação de criar uma escola inclusiva. Abreviando
razões, diríamos que a escola inclusiva é a que consegue educar todos, com
todos, isto é, em que através de uma pedagogia diferenciada se consegue pôr em
prática uma educação diferenciada e interativa. Sem diferenciação não será
obviamente possível desenvolver a inclusão, dadas as eloquentes e tão
manifestas diferenças entre os alunos; mas esta diferenciação não é feita
criando “lugares à parte”, mas incentivando ambientes em que os alunos
cooperam, aprendem juntos, aprendem uns dos outros.
Enquanto os alunos da “Educação Especial” estavam na escola,
mas, muitas vezes, “longe da vista e longe do coração”, a premência destas
carências era menos notada… era qualquer coisa que se passava “lá”, “lá” na
Educação Especial, e dizia respeito aos professores de Educação
Especial. Mas agora, a partir da publicação do dec. lei 54/2018, ficou
claro que o problema não é “lá”: é “cá”. É “cá” é em toda a escola e diz
respeito a todos os professores.
A implicação de toda a escola num processo que muitos de nós
fomos habituados a ver como sendo “exterior” e “circunscrito” origina
naturalmente dúvidas e resistências. É desnecessário enumerar
as razões de “falta de formação”, “de excesso de trabalho”, “de ter mais 27
alunos na turma”, etc., etc., que são invocadas para este “transbordamento” da
Educação Especial para uma Educação Inclusiva. Existe até uma questão concreta
sobre a organização das escolas que parece muito sintomática da forma como se
aborda esta mudança de uma escola com Educação Especial para uma escola
inclusiva. Como é sabido, usamos uma pirâmide de medidas de apoio ao aluno que
tem na base as medidas universais, no seu meio as medidas seletivas e no seu
vértice as medidas adicionais. As medidas universais são aquelas que, em caso
de alguma dificuldade identificada no aluno, mobilizam os recursos e as
competências existentes na escola para as procurar resolver.
Recentemente visitei uma escola que, ao fazer a sua
apresentação sobre a sua organização de apoio aos alunos, indicou que havia em
todo o Agrupamento 98 alunos apoiados. Destes, 92% eram alunos com medidas
universais, e a restante percentagem destinava-se às outras medidas. Noutra
escola – curiosamente no mesmo concelho –, quando perguntei quantos
alunos usufruíam de medidas universais, a professora olhou-me e disse: “Se as
medidas são universais são para todos, logo os beneficiários são todos os
alunos.” Não deixa de ser interessante pensar como a forma como se olham as
medidas universais pode constituir um excelente indicador de como a escola
trabalha em inclusão.
As dificuldades em desenvolver a inclusão desembocam –
talvez na maioria dos casos – na questão dos recursos. Ouve-se
frequentemente que não se faz inclusão, porque faltam recursos. Gostaria
de tratar, ainda que sucintamente, este assunto. E em três pontos:
Antes de mais, para assumir que há efetivamente uma falta de
recursos: i) conhecemos casos em que os professores de Educação Especial estão
sobrecarregados com um número excessivo de casos que não lhes permite um bom
acompanhamento de cada um deles, ii) por outro lado, a esperança que
os Centros de Recursos para a Inclusão (CRI) pudessem prover os
recursos essenciais está completamente abalada. Os CRI recebem há muitos anos o
mesmo financiamento, quando o número de casos que precisam de apoio
terapêutico-educativo tem aumentado. Trata-se na maioria dos casos de
apoios que são reconhecidos pelos CRI e pelas escolas como
insuficientes. E isto há muitos anos. A nossa educação fez um percurso
notável durante o período após a Revolução de 25 de Abril de 1974, mas, mesmo
assim, não foi capaz de se libertar de uma herança de desinvestimento de muitas
dezenas de anos. Faltam recursos? Faltam sim, e muitos.
Foto ADRIANO MIRANDA
Em segundo lugar, precisamos de saber para que precisamos
dos recursos. Precisamos de recursos para a inclusão. Vale a pena fazer passar
por esta pergunta os recursos que se pedem. Por vezes, os recursos
serviriam para que o aluno estivesse mais tempo fora da sala de aula, ou fora
das atividades escolares ou até fora da escola. Não são esses certamente
os recursos que precisamos: precisamos de recursos que ajudem a escola, os
professores, os técnicos a melhorar a inclusão de cada criança: a sua inclusão
na classe, na escola, na comunidade. Precisamos de recursos que se
articulem com o trabalho pedagógico para o qualificar, para contribuir para ele
ser mais diferenciado, flexível e logo mais adequado a educar todos e… com
todos
Por fim, convido os meus leitores a uma viagem pela
“imaginação pedagógica”. Imaginem que teríamos um governo que, afinal, achasse
que “isto” da inclusão era um grande equívoco. Esse Governo conseguia encontrar
verbas para construir grandes escolas especiais, por exemplo, em cada
concelho. Todos os recursos que possuíamos iriam para essas escolas,
professores, psicólogos, terapeutas, médicos, enfim, todas as pessoas que
sabíamos ser as mais competentes. Já imaginaram? Talvez neste caso não se
falasse de falta de recursos… estas escolas, sendo em número inferior,
teriam talvez muito mais meios. Mas há uma questão fundamental: estas
escolas especiais que acabamos de imaginar tinham uma falta imperdoável, uma
falta tão grave que as inviabilizariam como estruturas credíveis.
Faltar-lhes-ia a vivência, a experiência da inclusão. Por isso é que talvez
seja preferível lidar com a falta de recursos nos 811 agrupamentos que procuram
este valor precioso da inclusão do que criar escolas em que tudo pareceria ser
abundante e só faltaria o essencial.
Na verdade, a inclusão é um recurso. É certamente “o”
recurso sem o qual todos os outros recursos perdem significado. Em
Portugal entendemos isso. E continuaremos a lutar para que o apoio inclusivo
seja cada vez melhor, com mais vontades, com mais formação, com mais recursos e
com mais utopia.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes
de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
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