Bosch, As Tentações de Santo Antão
O Oitavo Pecado Capital
Nas minhas elucubrações heurísticas e numa apologia da serenidade, acrescento mais uma: a indignação.
Oxímoro teórico, próprio de uma apostasia omnisciente, onde a única redenção possível é o esquecimento pragmático de todos os nossos pecados capitais, incluindo o do direito à indignação. No desvelamento do que somos, a aletheia transforma-se numa lotaria de conceitos e a realidade histórica e actual é uma verdadeira ignomínia aos arquétipos da nossa matriz cultural.
O meu direito à indignação remonta à ira de Aquiles, à fúria agressiva de Filotectes, às increpações invectivas de Medeia, à loucura de Ajax, ao desespero inelutável de Electra e ao sofrimento de Prometeu, entre tantas outras referências literárias. Mas estas revelam-se como sendo apenas um consolo, uma vez que na prática o direito à indignação transformou-se no último pecado capital da humanidade e como nos diz Shakespeare, em Júlio César:
“ Os covardes morrem muitas vezes antes de morrerem;
O corajoso só uma vez o sabor da morte prova.
De todos os prodígios de que já ouvi falar,
O mais estranho me parece que temam os homens;
Posto que a morte, um fim inescapável,
Virá quando tiver de vir.”
No eterno retorno ao primitivo, a única inferência possível é que somos seres que tudo conspurcamos – esta é a nossa mácula divina, indelevelmente convertida num mecanismo lúgubre e surrealista de defesa do Eu.
Inês Aguiar
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