CNE defende substituição progressiva dos chumbos por medidas anti-insucesso
Conselho
Nacional da Educação considera que a retenção escolar é "a situação mais
grave do sistema de ensino em Portugal".
23 de Fevereiro
de 2015, 18:18 actualizado a 23 de Fevereiro às 20:14
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Vários estudos têm revelado que os
alunos que ficam retidos têm mais probabilidades de voltar a chumbar RUI GAUDÊNCIO
Todos os anos chumbam em média 150 mil alunos do ensino básico e
secundário. “Esta é talvez a situação mais grave do sistema de ensino em
Portugal”, alertou nesta segunda-feira o presidente do Conselho Nacional da
Educação (CNE), David Justino. O CNE aprovou esta segunda-feira uma
recomendação que visa fazer da resolução deste problema uma
"prioridade" das políticas educativas. Vários estudos nacionais e
internacionais têm revelado que os alunos que ficam retidos têm mais probabilidades
de voltar a chumbar. E também que esta prática conduz frequentemente ao
abandono escolar.
Todos os 12 especialistas ouvidos pelo
CNE, no âmbito da preparação do parecer aprovado nesta segunda-feira,
consideraram que “a retenção é um problema” e sete deles reconheceram a
“existência de uma cultura associada a este fenómeno”, com expressão na escola
e na sociedade em geral. Este fenómeno já foi denunciado em anteriores
relatórios do CNE, um organismo consultivo do Governo e do parlamento, e também
da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).
Portugal é o terceiro país da União Europeia com maiores percentagens de
chumbos. Em 2012, 34,3% dos alunos com 15 anos tinham chumbado pelo menos um
ano. E mais de 7,5% tinham já mais de uma retenção. A Bélgica e o Luxemburgo
lideram esta lista (36,1% e 34,5%, respectivamente), enquanto em países como a
Lituânia, Reino Unido, Islândia e Finlândia estas percentagens não chegam aos
4%. Já a Noruega apresenta uma taxa de retenção nula. A média da OCDE ronda os
13%.
Na recomendação aprovada esta segunda-feira lembra-se que os resultados dos
testes PISA, organizados pela OCDE e dirigidos a alunos de 15 anos, têm
mostrado que o desempenho dos estudantes que já repetiram anos "são significativamente
inferiores aos dos alunos que nunca foram retidos, o que poderá significar que
o (s) ano (s) de repetência não permitiu/permitiram uma recuperação de
aprendizagens, como é o objectivo subjacente à medida de retenção
escolar".
Para o CNE, a retenção não só é globalmente ineficaz em termos de
recuperação de aprendizagens como também é "extremamente dispendiosa"
para as contas públicas, "uma vez que qualquer aluno retido equivale a um
novo aluno, quando não supera mesmo o seu valor". Não existem cálculos
exactos sobre o custo por aluno em Portugal, mas se este se situar perto dos 4
mil euros, como sugerido pelo Tribunal de Contas, o custo das retenções sore
para os 600 milhões de euros. "Com menos de um terço dessa despesa já se
conseguiria investimento suficiente para baixar as taxas de retenção por via de
professores especialmente formados e vocacionados para trabalhar na recuperação
dos alunos", indicou David Justino.
O presidente do CNE frisou que, com esta recomendação, "não se está a
apelar a passagens administrativas ou a facilitismos", mas sim a que os
alunos com dificuldades "tenham respostas efectivas da escola, o que só se
consegue com mais apoio e trabalho". Por isso, o CNE recomenda que seja
dada mais autonomia às escolas para que estas possam dar "respostas
contextualizadas" (constituição de turmas, gestão do currículo, construção
de diferentes percursos escolares) à sua situação concreta.
Reavaliar provas do
4.º e 6.º ano
Propõe ainda, entre várias outras medidas, que seja eliminada a
obrigatoriedade de afixação pública das pautas de avaliação, uma prática
"sem par nos restantes sistemas educativos, substituindo-as por
"informação individual dirigida a cada aluno e respectiva família".
Que seja reavaliada "a adequação das provas finais do 4.º e 6.º anos aos
objectivos de aprendizagem dos ciclos que encerram, bem como rever as suas
condições de realização". Actualmente são feitas ainda no decorrer do ano
lectivo, o que traz "enormes constrangimentos ao funcionamento das
escolas, para além de determinarem alterações nos processos de
leccionação".
Na recomendação, aprovada por unanimidade, indica-se que a introdução
recente de exames no 4.º e 6.º ano "tem trazido, directa ou
indirectamente, implicações quer nas taxas de retenção, quer sobretudo na
alteração do processo de avaliação interna [as notas dadas pelos professores]
".Depois de uma melhoria durante a primeira década deste século, os
chumbos voltaram a aumentar no ensino básico, em todos os anos de escolaridade,
a partir de 2011. Entre os maiores aumentos destacam-se os registados no
6.º ano de escolaridade, onde a taxa de retenção duplicou, passando de 7,4% em
2011 para 14,8% em 2013; no 9.º ano passou de 13,8% para 17,7%; e no 7.º ano
subiu de 15,4% para 16,5%.
O CNE defende também o acesso universal à prova final do 9.º ano, com a
alteração do estatuto do aluno autoproposto; a promoção de "verdadeiras
lideranças pedagógicas, orientadas para as aprendizagens e para o sucesso
educativo"; a elaboração de "estratégias de apoio, logo aos primeiros
de dificuldades, com incidência nos primeiros anos de escolaridade de cada
ciclo" e a "afectação de professores com maiores conhecimentos e
motivação para desenvolver programas intensivos de recuperação de aprendizagens".
No relatório técnico que sustenta o parecer hoje aprovado descrevem-se
algumas das medidas que estão na base dos baixos níveis de chumbos registados
noutros países. Por exemplo, os programas de recuperação que são adoptados na
Lituânia no final do ano lectivo ou a decisão de progressão automática no
decorrer da escolaridade obrigatória, em vigor no Reino Unido, Islândia e
Noruega. Neste documento lembra-se, a propósito, uma das conclusões apontadas
no último relatório da rede Eurydice sobre a retenção escolar, datado de 2011:
“A grande variação de taxas de retenção entre os países europeus não está
apenas relacionada com a legislação em vigor, pois a prática de reter os alunos
também parece estar incorporada numa ‘cultura’ de retenção e na crença comum de
que a repetição de um ano é benéfica para a aprendizagem dos alunos.”
Portugal é apontado como um dos países em que esta crença persiste. No ano
lectivo de 2012/2013, o último com dados, cerca de 13% dos alunos portugueses
chumbaram. No básico, a taxa de retenção e desistência foi de 10,8%; no
secundário subiu para 19%. Em todos os ciclos de escolaridade, as taxas de
retenção são substancialmente mais reduzidas no ensino privado do que no
público. Esta tendência, frisa o CNE, enquadra-se num quadro do sistema
educativo onde vigora uma excessiva cultura da 'nota' sem a correspondente
preocupação nos processos que promovem as aprendizagens" ou, dito de outo
modo, a cultura reinante aprofunda "o carácter sancionatório e penalizador
da avaliação ao invés de centrar o seu foco na detecção de
dificuldades".
Para os especialistas ouvidos pelo CNE, as principais razões apontadas para
o elevado número de chumbos prendem-se com o impacto dos exames e a “crença que
nem todos conseguem”. Quanto a alternativas, quase metade considera não ser
necessária nova legislação, já que a existente “explicita que a retenção é uma
medida excepcional”.
Foram ouvidos pelo CNE os directores dos agrupamentos de escolas de
Arraiolos, Carcavelos, Proença-a-Nova, Moimenta da Beira, Ponte de Sor e Dr.
Azevedo Neves (Amadora). Também participaram os responsáveis pelos programas
EPIS e Fénix, de combate ao insucesso escolar, investigadores das universidades
de Coimbra e Évora e representantes da Direcção-Geral da Educação e da
Inspecção-Geral da Educação e Ciência.
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