Alunos querem
educação sexual menos vaga e mais interessante
Obrigatória nas escolas desde há dez anos, a educação sexual continua a
estar refém de tabus e dos meios ao dispor nas escolas. Quando é a sério faz a
diferença.
17 de Março
de 2019, 6:45
DRO DANIEL ROCHA - PÚBLICO
Renato
tem 18 anos, está no ensino secundário e diz que durante todos os anos que já
passou na escola só teve uma aula de educação sexual. “Foi com uma enfermeira”,
especifica. É por estas e por outras que ele e outros colegas seus da Escola
Secundária de Albufeira chegam a esta proposta após uma troca de opiniões na
redacção do PÚBLICO: criar uma disciplina de Educação Sexual, com um estatuto igual ao das
outras e com presença semanal no horário dos alunos.
Dizem
que seria uma forma de se tentar pôr fim ao “faz-de-conta” que ainda muitas
vezes marca a abordagem à sexualidade promovida pelas escolas, apesar de a
educação sexual ser uma área obrigatória em todos os estabelecimentos escolares
desde 2009. O médico de Psiquiatria da Infância e da Adolescência Rui Carvalho,
26 anos, aponta uma razão para que tal aconteça: “Temos uma tradição de punição
e repressão da abordagem à sexualidade, que ainda tem grande peso, e que pode
estar na base da opção de apresentar os tópicos que devem ser abordados de uma
forma muito vaga”.
Por
exemplo, no último Referencial da Educação para a Saúde, aprovado em 2017, que
inclui os temas a ser abordadas em Educação Sexual, a questão da identidade de
género, considerada uma das mais sensíveis, está expressa assim: “Compreender e
respeitar a diversidade na sexualidade e na orientação sexual.” Destinatários: os alunos
do 1.º ciclo do ensino básico ao secundário.
“A
impressão que tenho é que se aborda tudo muito pela rama”, comenta o presidente
da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap),
Jorge Ascenção. O dirigente da Associação de Estudantes da Escola Secundária
Camões, em Lisboa, Samuel Oliveira, diz mais: “A educação sexual tem sido útil,
mas os temas tabus continuam a não ser falados na escola”. Acrescenta que é o
que se passa, por exemplo, com as questões ligadas aos “comportamentos
sexuais”.
De volta
à proposta dos alunos de Albufeira, a psicóloga Margarida Gaspar de Matos, que
fez parte do grupo de trabalho que esteve na origem da lei da educação sexual
de 2009, assinala que chegou então a ser equacionada a criação de uma
disciplina específica para esta temática. “Seria uma opção muito válida e era
até a de mais fácil implementação, mas que corria dois perigos: por um lado
“deixar de fora” outras áreas transversais de maior importância, como a
educação para a equidade, diversidade ou cidadania; e por outro levar a que os
alunos ficassem com uma carga de aulas ainda maior”.
Por
essas razões, optou-se antes por “deslocar” estas temáticas para as chamadas
Áreas Curriculares Não Disciplinares, como Formação Cívica ou Área de Projecto,
que no anterior Governo foram suprimidas do currículo, o que ainda veio
baralhar mais as coisas, embora se tivesse mantido em vigor a lei de 2009 em
que se estipula que a carga horária dedicada à Educação Sexual não deve ser
inferior a seis horas para o 1.º e 2.º ciclos do básico, nem a 12 no que toca
ao 3.º ciclo e ao ensino secundário.
"E agora, Rosa?”
Esta lei
não foi, entretanto, revogada, apesar da Educação Sexual ter transitado este
ano lectivo para a nova disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, que em
muitas escolas tem apenas 45 minutos por semana e um longo painel de temas a
abordar, que passam entre outros pela igualdade de género, desenvolvimento
sustentável, saúde ou literacia financeira.
Em
resposta ao PÚBLICO, o Ministério da Educação indicou que esta transferência
para a Cidadania e Desenvolvimento “continua a permitir promover uma abordagem
transdisciplinar da educação sexual, nomeadamente no ensino secundário”. Ou
seja, ser tratada em várias disciplinas.
A última
avaliação sobre a aplicação da lei de 2009 diz respeito ao ano lectivo
2015/2016, está actualmente outra em curso, e confirma uma velha tendência: na
grande maioria dos casos, é nas disciplinas de Ciências Naturais e de Biologia
que se dá conta desta tarefa.
Aires
Alexandre é professor destas duas disciplinas. Diz que “tem feito o que é
normal fazer nesta matéria”, mas que o problema é o tempo ou melhor a falta
dele, “porque há todo um programa que é preciso cumprir”. “Felizmente contamos
com a colaboração do centro de saúde, que é muito importante, e com uma equipa
de psicólogos escolares, que geralmente tratam dos temas mais delicados, como
por exemplo, a identidade sexual”, comenta.
“Os
alunos sentem-se mais à vontade para falar connosco do que com os professores e
estes também muito frequentemente não se sentem bem a abordar estas temáticas
da sexualidade com os seus estudantes e inconscientemente acabam por as
enquadrar nas suas próprias ideias de como se deve pensar ou agir”, testemunha
Rosa Franco, enfermeira, que há uma década trabalha na área da Saúde Escolar no
Centro de Cuidados na Comunidade do Agrupamento de Centros de Saúde de Oeiras.
Ela e outra colega sua “respondem” por cerca de dois mil alunos.
Rosa
Franco defende que é, por isso, tão importante que os chamados Gabinetes de
Informação ao Aluno, previstos na lei de 2009, estejam a funcionar nas escolas,
para que os estudantes saibam que estão ali técnicos que os podem ouvir e
ajudar: “A nossa função não é estarmos ali para criticar comportamentos, mas
sim para apoiar os jovens que muitas vezes precisam de respostas rápidas para
resolver situações complicadas em que se encontram”. Que podem passar por serem
confrontados com uma gravidez ou por terem contraído infecções sexualmente transmissíveis.
Neste tempo todo, tem tentado não falhar quando lhe perguntam: “E agora,
Rosa?”. O problema, mais um, é que em muitas escolas estes gabinetes não estão
em funcionamento ou se estão os alunos não sabem da sua existência, como se
alertou numa outra avaliação feita à aplicação da Educação Sexual.
Quando
lhe chegam, muitos destes alunos já andaram num ricochete “do pai para a mãe e
da mãe para o pai para tentar ter respostas que muitas vezes não são dadas”.
“Acabam por estar muito sozinhos”, constata Rosa Franco. Dos sete alunos de
Albufeira com quem o PÚBLICO se encontrou, a três aconteceu o mesmo. E é por
isso, por os pais nunca terem falado com ele sobre estas questões, que Eric, de
19 anos, diz que aquilo que aprendeu nas aulas de educação sexual tem
sido “muito útil” na sua vida: “Levei os avisos que fizerem a sério e apliquei
os cuidados que me transmitiram. Só quando me viram mais crescido e responsável
é que os meus pais tentaram falar comigo, mas então eu já sabia”.
Através
de questionários anónimos dirigidos a alunos, o projecto SexEd tem
constatado que é a actividade sexual propriamente dita que levanta mais dúvidas
aos jovens. A orientação sexual aparece em sexto lugar.
Sempre o mesmo?
“Partimos
do princípio que os alunos já vêm com alguns conhecimentos sobre a sexualidade,
mas isso não acontece com os mais novos. Muitos pais não abordam estes assuntos
e eles também ainda não têm idade para entender o que vão encontrando na
Internet”, refere Glória Ramalho, professora de Biologia e responsável pelo
Programa de Educação para a Saúde na Escola Básica e Secundária Quinta das
Flores, em Coimbra.
Foi por
essa razão que, neste ano lectivo, voltaram a centrar-se também nos conteúdos
da educação sexual no 7.º ano de escolaridade. “Tínhamos optado por uma
abordagem mais ampla, mas constatámos que pura e simplesmente se tinha deixado
de falar de educação sexual à entrada do 3.º ciclo por se assumir que já tinha
sido abordado no 5.º e 6.º ano”, explicita.
Num
estudo realizado em 2014 também para avaliar a aplicação da lei de 2009, em que
Margarida Gaspar Matos participou, uma das queixas recorrentes transmitidas
pelos alunos era a de os temas “serem apresentados anualmente de forma idêntica
e sem progressão”. Os alunos da Secundária de Albufeira corroboram e
acrescentam o seguinte: “o problema é também que a escola aborda estas coisas
de um modo que não nos desperta suficientemente o interesse. E isto pode
resolver-se se fossem apresentando exemplos concretos com os quais nos possamos
identificar”, resume Paulo, 17 anos.
Cativar é possível
Margarida
Gaspar de Matos refere que, embora com algumas especificidades, os problemas
com a Educação Sexual são idênticos ao “problema da escola em
geral”. “Programas intermitentes, ministrados por professores desmotivados,
stressados, desvalorizados, e pouco formados nestas áreas são desmotivantes e
os alunos tendem a achá-los repetitivos, estéreis e pouco ligados a algo que os
interesse”.
na área
da educação sexual, considera que os alunos também se queixam de lacunas por
entenderem que “conteúdos que abordem a diversidade, o respeito ou questões de
género não são entendidos como parte da educação Eexual”. E os manuais em vigor
ajudam pouco nesta matéria como comprovou na investigação que fez para o seu
doutoramento em 2011. Desde então, adianta, “tem havido alguma evolução, mas
muito há ainda a realizar na promoção da igualdade de género e na prevenção da
violência a partir dos manuais”.
Guilherme,
de 17 anos, do grupo de alunos de Albufeira tem mais uma sugestão a fazer: “Em
vez de terem sempre um mesmo papel para segurar nas aulas, seja qual for a
turma, os professores podiam primeiro recolher quis são as nossas dúvidas e os
temas que nos interessam ou preocupam para depois adaptarem as suas aulas. Isso
sim, podia cativar-nos”. É precisamente esta a metodologia seguida pelo projeto
SexEd, conta o médico Rui Carvalho. Mais concretamente, têm guiões elaborados
com os temas a abordar consoante a faixa etária, mas que vão sendo adaptados às
dúvidas colocadas pelos alunos nos questionários que promovem. Com uma condição
à partida: os tópicos escolhidos pelo projeto não são negociáveis.
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