in: https://www.publico.pt/2018/04/21/sociedade/entrevista/a-internet-e-uma-oportunidade-de-proximidade-entre-pais-e-filhos-1811029
“A Internet é
uma oportunidade de proximidade e não de conflito” entre pais e filhos
Drogas, álcool e sexualidade continuam a ser questões que marcam a
adolescência. Mas agora também se vivem na Internet, essencialmente através do
telemóvel. No livro Do telemóvel para o mundo, Daniel Sampaio oferece um guia prático sobre como os pais de adolescentes
podem lidar com estas questões e utilizar a Internet como forma de aproximação
e não de conflito.
21 de Abril
de 2018, 7:30
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Depois de mais de duas dezenas de livros publicados, Daniel Sampaio voltou
a escrever. Desta vez para os pais de adolescentes na era do telemóvel. RUI GAUDÊNCIO
Em Do
Telemóvel para o Mundo — pais e adolescentes no tempo da Internet,
Daniel Sampaio fala da Internet como “um ponto de encontro entre gerações”. Uma
“coisa maravilhosa”.
No seu
27.º livro o psiquiatra propõe um guia prático sobre como lidar com adolescentes,
num tempo em que o telemóvel passou a ser uma extensão deles próprios.
Equilíbrio, confiança e afecto são palavras-chave. E faz questão de sublinhar:
apesar das mudanças tecnológicas “os pais continuam a ser o mais importante de
tudo”.
No livro
sente necessidade de explicar com algum detalhe as principais redes sociais
utilizadas pelos jovens. Além disso, sublinha que os pais precisam de melhorar
a sua literacia digital. Os pais ainda não sabem o suficiente sobre a Internet
onde os filhos navegam?
Estão longe de saber. Os pais sabem o que é o Facebook e o Instagram, mas não
sabem como é que os filhos os utilizam. Evidentemente que para algumas pessoas
aquela informação pode parecer excessiva, mas o que eu pretendi foi descrever a
evolução, por exemplo, do Facebook, que é sobretudo utilizado para promover
eventos e festas de anos, e muito pouco como rede social de comunicação.
Enquanto o Instagram e o Whatsapp são muito mais utilizados para comunicar. A
tónica do livro é que os pais devem conhecer e dialogar e não devem
controlar, como alguns fazem, espiando o telemóvel ou colocando filtros.
Então
como é que pode haver algum controlo por parte dos pais?
Defendo que desde o tempo da infância, os pais ajudem os filhos a utilizar a
Internet, de modo a que eles possam interiorizar as regras desde muito cedo.
Estou a falar dos quatro, cinco anos de idade. E que aos 10 anos, quando têm o
telemóvel, exista novamente uma conversa sobre a utilização do telemóvel. O que
é importante é que os pais estejam à vontade para poder perguntar "O que é
que estás a colocar na Internet?", "O que estás a ver?",
"Vamos falar".
Refere
ao longo do livro a importância de que os pais preservem a privacidade dos
filhos. Mas como é que podem "arrancar" alguma coisa dos jovens e
adolescentes sem comprometer a sua privacidade?
Esse é o grande desafio da adolescência: promover a autonomia, sem perder o
controlo. É um equilíbrio. Como é que se equilibra? Através da confiança. Se
houver essa preocupação em falar e a partilha do que se passa na Internet e na
escola, do que eles estão a sentir perante uma notícia na televisão... Se o
clima familiar for de confiança, é mais fácil uma confidência. Por isso é que
digo que a Internet é uma oportunidade de proximidade e não de conflito e
separação como por vezes vejo em algumas famílias.
Dicas para os pais de
crianças e adolescentes na era do telemóvel
Dar um telemóvel:
“Aos 10 anos, porque corresponde ao 5.º ano de escolaridade, em que têm menos
tempo de aulas e ficam mais tempo sozinhos. O telemóvel pode ser útil.”
Explicar como funciona a Internet:
“A explicação da Internet deve começar por volta dos quatro, cinco anos.”
Proibir o uso do telemóvel:
“Sobretudo à noite. O telemóvel não deve ser levado para o quarto de dormir e
isso deve ser dito bem cedo. Para criar a regra. Depois, à hora das refeições.”
Permitir uma conta no Facebook:
“Há uma regra deles [Facebook] que não é cumprida [quanto à idade mínima]. Eu
diria 12, 13 anos, o início da adolescência. Mas com muitas regras.”
Regras a aplicar na utilização do
Facebook:
“Aquelas que as pessoas sabem mas não cumprem. Não dar dados de identificação,
como o nome, a idade certa, ou a escola onde se anda, não colocar imagens
privadas, a não ser mais tarde, e não contactar com estranhos dando dados
pessoais.”
Que fotos dos jovens e crianças se devem
partilhar nas redes sociais:
“O direito à reserva da imagem é muito importante. Ter muito cuidado na
infância. Deve haver uma grande cautela nisso.”
Que estratégia para conversar com os filhos:
“A mensagem é aproveitar pequenos momentos, seja no carro para a escola, no
final de semana, quando vão tomar um café, a propósito de um programa de
televisão... Aproveitar essa conversa que surge espontaneamente para poder
transmitir alguns valores e algumas regras.”
Que
conhecimento sobre a Internet é que os pais devem passar às crianças quando,
por vezes, eles próprios também não têm grande conhecimento?
Estamos a falar de tecnologias que já têm alguns anos. Tem havido alguma
dificuldade das pessoas em perceberem o impacto das novas tecnologias. É
importante dizer que a Internet é uma coisa maravilhosa. Por isso é que falo do
telemóvel para o mundo, porque o telemóvel hoje abre as fronteiras de todo o
mundo e permite contactar em todo o lado. Mas é preciso explicar que depende da
forma como se utiliza. E é preciso explicar que é preciso usar com regras, com parcimónia,
não invadir os tempos familiares essenciais — o pequeno-almoço, a partida para
a escola, a chegada a casa, o jantar e deitar. Que as crianças e os
adolescentes possam usar o telemóvel como uma coisa boa e que não seja uma
fonte de conflito.
Mas também
aponta que os jovens saem do Facebook porque os adultos estão lá.
Sim. Neste momento, o Facebook é abandonado pelos adolescentes porque é um
território que foi apanhado pelos adultos. Eles querem sempre ter um território
mais privado que seja seu. É bom que exista um território de comunicação
privado entre os jovens, para que eles possam comunicar entre si, mas que
também possam comunicar com os adultos.
O que
muda na forma como os jovens passam pela adolescência agora que estão
apetrechados com smartphones?
Com a Internet, de uma forma geral, é tudo muito diferente. Tínhamos um
paradigma para compreender a adolescência que era família, grupo de amigos e
escola. Víamos que um adolescente estava bem com os pais, tinha amigos e estava
bem na escola, então estaria bem. Hoje em dia, isso continua a ser importante.
Os pais continuam a ser o mais importante de tudo na adolescência. Os amigos
são muito importantes na fase média da adolescência, entre os 15 e os 17 anos,
mas surgiu agora esta comunicação em rede. É preciso perceber que isso se
traduziu numa forma muito diferente de encarar o corpo adolescente, a
sexualidade, a forma de falarem uns com os outros, foi tudo muito alterado. O
livro é dedicado aos pais, que têm de saber cada vez mais sobre isso para
poderem comunicar melhor. Eu fiz um capítulo só sobre a sexualidade porque
encontro muitas dúvidas dos pais sobre a sexualidade dos filhos.
É preciso explicar que se deve usar [o telemóvel] com regras, com
parcimónia, não invadir os tempos familiares essenciais
No campo
da pornografia e da sexualidade, como é que a Internet torna estes temas ainda
mais complexos?
Esse é um tema muito interessante que resolvi incluir no livro. No meu contacto
com os jovens adolescentes, percebi que sobretudo os rapazes vêem muita pornografia
porque é muito fácil de aceder. A grande questão da pornografia é que deve ser
discutida. Para já, é uma indústria. Depois, há uma exploração do corpo da
mulher. E ainda introduz uma dimensão que não corresponde à vida normal das
pessoas. É um tema que se deve falar frontalmente e
sobre o qual acho que eles estão desejosos de conversar.
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Também
fala da falta de educação sexual nas escolas. Isto ainda é um problema?
Fui coordenador do grupo de trabalho que deu origem à lei da educação sexual em
2009. Fomos nós que propusemos os programas de educação sexual que depois foram
convertidos em lei. O que eu verifico nas escolas é que isso está reduzido ao
mínimo. A uma hora ou duas por ano. E isso acho que faz imensa falta. As
pessoas pensam que educação sexual é falar de sexo. Mas é sobretudo falar de
educação e tem a ver principalmente com a ética na sexualidade. Com a relação
rapaz/rapariga, com a homossexualidade, com o respeito entre as diferentes
pessoas, com a contracepção, o conhecimento do corpo. Tem a ver com uma série
de conteúdos adequados à idade que se deviam dar nas escolas. Para isso era
preciso que os professores continuassem a preparação que na altura tiveram.
Aproximar
pais e filhos em torno das novas tecnologias e daquilo a que chama a
"pequena conversa" são dois aspectos que considera cruciais. O
que impede que isto aconteça?
Acho que isso é sobretudo um problema dos pais. Porque os pais continuam com
uma ideia de que é preciso falar muito a sério com os filhos sobre estes temas.
Essa é uma ideia que eu acho que é do passado. Isso foi-me transmitido pelos
jovens com quem trabalhei para este livro. Trabalhei com um grupo de quatro
jovens, com quem fiz um debate de duas horas sobre todas estas questões. Todos
eles - três rapazes e uma rapariga - me disseram que a conversa séria com os
pais não resulta.
A grande maioria dos jovens vive [a adolescência] como um bom período.
É aí que
surge a “parentalidade construtiva”. Os pais ainda têm de aprender a ser
construtivos?
Completamente. [Esse conceito] é uma coisa que resulta da investigação. O que
se sabe hoje em dia é que o estilo parental é muito importante. Sabe-se que os
pais que têm autoridade sem autoritarismo e ao mesmo tempo estão envolvidos
afectivamente com os filhos, promovem uma adolescência mais saudável. Os pais
que têm um grande autoritarismo e aqueles que são mais permissivos contribuem
para uma adolescência com mais problemas. Essa eficácia parental tem muito a
ver com o amor firme, mas ao mesmo tempo com o amor afectivo. É isso que se
chama parentalidade construtiva.
Dá o
exemplo de um pai que lhe coloca uma questão sobre partilhar um “charrinho” com
o filho de 15 anos. Isto é muito perigoso?
É, porque é completamente diferente utilizar os derivados
da cannabis num adulto e num adolescente. Nós podemos dizer que
a cannabis na adolescência prejudica as tarefas da adolescência.
Porque diminui a concentração e a atenção. Eles têm mais tendência a fracassar
na escola. Aparecem uma série de conflitos familiares resultado do uso das
drogas. A adolescência é mais problemática. Num adulto é completamente
diferente. Um adulto já tem a sua vida feita e as repercussões são diferentes.
Quando o chamado “pai camarada” faz isso com o filho ao lado, está a dizer que
não tem importância nenhuma.
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No livro
faz questão de referir que a adolescência não é um período tão negro como
muitos o pintam.
Sim. Isso tem uma razão histórica. Durante muito tempo, a adolescência foi
considerada uma espécie de doença. Quando se fala com muitos jovens verifica-se
que é uma época boa, porque é de descoberta. É difícil para os pais. Na
infância e na idade adulta dos filhos é mais fácil ser pai. Mas é preciso
explicar que a grande maioria dos jovens a vive como um bom período.