(Fajã de Baixo, São Miguel, 13 de Setembro de 1923 -Lisboa, 16 de Março de 1993)
Auto-retrato
Espáduas brancas palpitantes:
asas no exílio dum corpo.
Os braços calhas cintilantes
para o comboio da alma.
E os olhos emigrantes
no navio da pálpebra
encalhado em renúncia ou cobardia.
Por vezes fêmea. Por vezes monja.
Conforme a noite. Conforme o dia.
Molusco. Esponja
embebida num filtro de magia.
Aranha de ouro
presa na teia dos seus ardis.
E aos pés um coração de louça
quebrado em jogos infantis.
Natália Correia
Personalidade intelectual versátil, dedicou-se a vários géneros, além de marcar a sua presença na política e na imprensa. A sua produção abrange a poesia, o romance, o teatro, o ensaio, memórias, relatos de viagem, organização de antologias e colaboração em vários jornais e revistas. Embora tenha começado pela literatura infantil (A Grande Aventura de um Pequeno Herói, 1945) e pelo romance (Anoiteceu no Bairro, 1946) foi na poesia que encontrou a expressão mais depurada de seu temperamento a um só tempo lírico e irónico, características acentuadas a partir de Dimensão Encontrada (1957) e nas suas obras dramáticas. Dentro dessa linha, que a tendência surrealista da poesia portuguesa pós-1950 vem sublinhar, compôs grande parte da sua obra poética, revelando um discurso lírico insólito e singular a oscilar entre a linguagem alegórica e a voz interventora. Estão neste caso, por exemplo, Passaporte (1958), o longo poema Cântico do País Emerso (1961) e mais tarde Mátria e Maçãs de Orestes (1970). A capacidade de abranger, contudo, várias expressões líricas, bem como sentimentos e visões aparentemente opostos, entre a subjetividade romântica e a objetividade realista, levaram-na à composição, nos dois últimos anos, de Sonetos Românticos (1991, Grande prémio da Poesia APE/CTT), na poesia, e ao romance As Núpcias (1992). No primeiro, parece voltar à primeira fase da sua expressão em virtude da abstração do objeto lírico, não obstante, agora, mais intelectualizada, próxima de certo misticismo da criação poética, da escrita, da expressão verbal. Por isso, define o soneto como “misterioso nó que em sacra escrita / cimos e abismos une”.
in Mulheres nas Letras, Mulheres dos Livros
Vem à BE da ESLA e deixa-te (en)cantar!!!!
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